Beneficiários ou vítimas do ‘rendimento mínimo’?
Os números estão aí: 334 mil portugueses vivem, regularmente, do subsídio de rendimento mínimo. Também por ocasião dos mais recentes conflitos no bairro da Belavista (Setúbal) foi referido que se gasta mais de um milhão de euros por mês com duzentas e setenta e cinco famílias, num total de mil pessoas... que recebem o dito ‘rendimento mínimo’.
Ora, perante estes dados – nacionais e com alguma incidência local mais ou menos próxima – quase poderemos tentar compreender que há muita gente que é, de facto, beneficiária deste ‘salário’, mas que se tem tornado uma espécie ‘profissional’ da dependência da pobreza (aceite, promovida ou até exaltada) nalguns sectores da nossa sociedade.
Por outro lado, os números do desemprego – reais, forjados ou fictícios – crescem diariamente, estando prestes a atingir a barreira do meio milhão de pessoas, numa percentagem de quase nove por cento da população activa. Também se torna assustador o número de pessoas em debilidade económica – mais de seiscentas mil – em razão da precariedade do emprego e dos salários.
Efectivamente, estamos prestes a ‘bater no fundo’ da nossa condição económica nacional, pois os dados mais fiáveis dão-nos conta de que sobrevivemos endividados em mais de cem por cento do produto interno bruto, isto é, o desfasamento entre o que produzimos e aquilo que exportamos se reduz a comprar mais do que a produção mínima.
* Ainda no recente ‘simpósio reinventar a solidariedade’ – realizado, em Lisboa, no dia 15 de Maio – se escutaram vozes e sugestões, propostas e acusações sobre a necessidade de defender a pessoa humana, nas suas mais essenciais dimensões, pois da conversão da pessoa dependem a reconversão das estruturas – desde as mais simples até às mais complexas, isto é, desde as vertentes locais até à dimensão do Estado – em ordem a vencermos esta crise, que é mais de valores do que de finanças e economias.
* Quem tenha estado de olhos abertos e de mente atenta terá percebido que as celebrações do cinquentenário do monumento – a pretensão de santuário tem ousadia, mas falta-lhe dimensão! – a Cristo Rei, nos passados dias 16 e 17 de Maio, terá visto mais uma devoção a Nossa Senhora do que um acto de louvor a Jesus Cristo; terá ficado mais admirado pela dimensão popular – de um e do outro lado do Tejo – e marcadamente envelhecida do que pela adesão das camadas mais instruídas e dos jovens anónimos... para além dos ‘nossos’ escuteiros.
* Quem olhar atentamente um certo indiferentismo para com as coisas espirituais – sobretudo as de incidência católica comunitária... de proximidade – poderá (e deverá) questionar-se sobre algum excesso de horizontalidade das propostas e pouco sobre a dimensão de abertura a Deus e aos seus sinais mais ou menos visíveis em nós e à nossa volta.
* Se tivermos coragem de nos assumirmos enquanto consumidores compulsivos, poderemos ver que muito do ‘nosso’ consumismo é promovido pelo desrespeito para com os mais necessitados: compramos mais uma peça de roupa sem repararmos em quem tem menos; esbanjamos em futilidades aquilo que faz falta para outros comerem; aderimos às coisas da última moda, quando outros vestem ou calçam o já usado...
Temos, de facto, um longo caminho a percorrer para que os nossos saldos não se confundam com o que desejam, como essencial, muitos dos nossos contemporâneos, pois a nossa cultura nem sempre se compadece com os fracos ou só os tolera se eles forem (inconscientemente) a auréola da nossa incongruência moral e cívica.
Quando todos tivermos trabalho digno, as vítimas dos subsídios serão excepção e não regra, como vemos por estes dias...
A. Sílvio Couto
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