Jornal de Opinião

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29/05/09

Uma reflexão necessária, talvez incómoda

O grande acontecimento da vida da Igreja é a celebração da Eucaristia, ponto alto da vida comunitária, “cume e fonte da vida cristã”, como a designa o Vaticano II.
Uma preocupação conciliar foi tornar esta celebração mais digna e significativa Daí, entre outras coisas, a introdução da língua vernácula, a adaptação dos templos para que realçar o altar e o tornar visível a toda a assembleia como ponto de convergência, a qualificação do ministério de leitor, chamado a proclamar a Palavra e não apenas a lê-la, a insistência na qualidade dos cânticos, a maior participação da assembleia, a beleza e a dignidade das alfaias litúrgicas, tudo sempre marcadas pelo mesmo sentido. Mas, um grande propósito esteve em garantir uma presidência digna, pela consciência que deve ter quem preside, bispo ou presbítero, de que o faz em nome do Senhor Jesus, segundo as normas da Igreja, e nunca em nome próprio.
Assim, tudo o que diz e faz, o modo como o faz e se apresenta, deve ajudar a assembleia a reconhecer que é o Senhor quem convoca e preside, e tudo deve ser digno d’Ele. Do mesmo modo, lhe compete o dever de bem ordenar a celebração, para que ela mantenha a sua dignidade e não haja elementos estranhos que a desvirtuem ou empobreçam o sentido de um acontecimento, eminentemente sagrado comunitário.
Já se andou muito, mas há sempre caminho por fazer. Não podemos deixar de verificar que, por desatenção, rotina, influência de modelos profanos, arbitrariedades pessoais, quiçá com boa intenção mas pouco saber teológico e litúrgico, se foram introduzindo, na celebração, elementos alheios à mesma. Podemos falar de alguns: ao celebrar a Eucaristia, o importante é a assembleia dos crentes, reunida em nome do Senhor, irmãos entre si e com igual dignidade de filhos de Deus Uma assembleia a convergir para Jesus Cristo, que a convocou e a ela preside, não tendo, por isso, lugar saudações particularizadas a pessoas e entidades, mesmo religiosas, com títulos e superlativos, como se tratasse de uma sessão profana; há homilias em que a Palavra de Deus e a realidade da vida quase não têm lugar e se transformam em recados para ausentes e afirmações de saber próprio; há improvisações de momento, na linguagem e nos ritos, que empobrecem a comunicação; introduziu-se o abuso das palmas, por tudo e por nada e intervenções, à revelia do presidente; cânticos desadequados, cortejos onde a imaginação impera, leitores alheios à função de leitor, posições da assembleia, marcadas pelo gosto e pela devoção pessoal; introduzem-se, por vezes, dentro da celebração, actos alheios à liturgia, que poderão realizar-se no fim, antes da bênção; cresce o abuso dos fotógrafos amadores, que operam no templo como na rua, sem respeitar pessoas e momentos, não admitindo observações pertinentes.
As celebrações prolongam-se demasiado, rompe-se o seu equilíbrio e unidade, atropelam-se momentos importantes, queima-se tempo necessário para o silêncio…
Uma celebração eucarística não é um cabide onde cada um dependura coisas a seu gosto, nem uma assembleia com vários pelouros de gente independente. Tem presidência responsável, regras de culto público, ministérios ao serviço da assembleia. Não tem o rigor de uma cerimónia militar, mas não dispensa a ordenação correcta de um acontecimento respeitável. A Igreja quer que ela seja festiva, mas não a qualquer custo.
Não é fácil extirpar abusos. Sei isso, por experiência. Quando me vi surpreendido, já no altar, por intervenções inesperadas e, na sacristia, chamei a atenção para isso, vi reacções de desagrado. Quando, terminada a celebração quis encontrar-me com o grupo coral para dizer o que, por dever, me competia, ouvi: “O senhor manda no altar, no coro mandamos nós”. Quando pedi a um coro que escolhesse cânticos que o povo cantasse, foi-me respondido: “Na igreja só tem direito a cantar quem faz parte do coro e vem aos ensaios”. São os tais pelouros que se não foram constituindo por falta de formação e ganharam força ao verem e ouvirem o que se faz nas missas da televisão e da rádio, quando não mesmo por ali mais perto.
A celebração eucarística é sempre uma riqueza a defender, para bem do povo crente.

António Marcelino

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