Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

27/04/12

Ao Compasso do Tempo - 27 de Abril de 2012

O sentido do 25 de Abril foi objetivo e claro: estabelecer a democracia, rompendo com a ditadura. E à democracia, no fluir destes trinta e oito anos, foi-lhe desejado que se tornasse no que era: fiel, íntegra, corajosa e coerente, diante de todos os fenómenos históricos. Os desvios à vista de todos nasceram de quem não soube manejar instrumentação tão exigente. Conseguimos êxitos na vitória sobre a mortalidade infantil, no crescimento de diplomados, no avanço de exportações, na criação de estruturas de participação, no esforço por abolir a pirâmide de poderes e relacionamentos sociais, na humanização de algum trato e do desempenho de certos encargos… Mas na sensibilidade aos outros? No crescimento da justiça social? No cuidado pelos que nada têm? No repúdio dos fatalismos? E a luta contra a corrupção e a pouca vontade de trabalhar? E na preocupação pela inexistência de empregos? E na educação de maneiras? E no gosto pela cultura? E…? Como se pode dormir tranquilo quando Isabel Jonet afirma (como o fez há dias) que a contribuição da ajuda alimentar da União Europeia se está a tornar insuficiente, tornando-se urgente o apoio do poder. Não estará no horizonte um novo imposto? O Banco Alimentar contra a fome é um monumento de solidariedade. Mas convenhamos que é um indício da nossa terrível situação (e desde há muito tempo!). Como poderão agir as pessoas submetidas à legislação da mobilidade? O deslocamento geográfico, a separação de membros da família, o desenraizamento de hábitos de convivência e de coesão social não constituirão mais um fenómeno de infelicidade e de revolta? Não nego que, em muitos casos, possa significar uma reabilitação de aspetos do viver. Mas poder-se-á afirmar que se trata duma solução salvadora? Ter-nos-emos que “resignar” perante o avulso, o pontual, a inovação do último segundo, a surpresa? E o drama de portugueses nos caminhos da emigração, protagonizando em países do centro da Europa mais uma leva dos “sem abrigo”? Na última semana ocorreu, em Lisboa, um encontro de representantes de capelães europeus, onde participou também um membro da Comissão Episcopal da União Europeia. O assunto que os convocou foi a tragédia dos portugueses. Fiquei com a impressão que muitas pessoas de entre nós não estiveram nada interessadas na informação do acontecimento. Não convinha (mas porquê, pergunto eu?). Perdeu as cores, a nossa democracia. Precisa de ir “a ares”. Como festejá-la, se não se tornou no que devia ser? E será o silêncio o melhor remédio para a doença? Haverá por aí medo de sujar as mãos? Parece-me que há! Não lhe chamam tal. Estar de bem com Deus e o diabo é património da nossa sina. MDN – Capelania Mor, 27 de Abril de 2012 Januário Torgal Mendes Ferreira Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança

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18/04/12

Quatro agressões, em média, por dia nas escolas

No ano letivo de 2010/2011 houve 1121 agressões nas escolas portuguesas. Atendendo ao tempo de férias (intercalares e finais) e aos fins-de-semana em que não há atividades letivas, teremos um total de cerca de duzentos e setenta dias de aulas, ter-se-ão verificado, em média, diariamente, quatro agressões nas nossas escolas.


Segundo o ‘Observatório de segurança em meio escolar’, naquele número geral de agressões, são de salientar quase centena e meia de casos sobre professores... no ensino básico e secundário.
Se atendermos ainda aos dados do ano letivo anterior, com mais de três mil e trezentos casos, houve uma diminuição de ocorrências de agressão, cuja tipificação envolve ataques à integridade física, à honra e ao bom nome, bem como atos de vandalismo...

= Escola retrata ou denuncia a família?
Quem tenha um mínimo de contato com as escolas pode verificar que o ambiente nem sempre é tão saudável como seria desejável. Mesmo sem com isso pretendermos diagnosticar algo de complexo, poderemos considerar que as escolas são como que a ponta do icebergue da sociedade onde os estudantes estão inseridos. Com efeito, às escolas chegam e dos locais de ensino irradiam muitas das preocupações sociais e económicas, éticas e morais, financeiras e profissionais... das famílias e das sociedades, dos grupos e das populações, tanto urbanas como rurais, atingindo os mais instruídos e os menos atentos às coisas do saber.
De fato, poderemos conhecer as famílias de onde procedem os alunos – no sentido etimológico do termo: ‘sem luz’ – se observarmos estes (pretensos) estudantes, tanto na fase de ensino pré-primário, como na etapa do ensino básico, passando pela do secundário e projetando-se no âmbito universitário. E nem sequer a democratização do ensino – tentativa criada mas não ainda conseguida com a revolução de Abril – obnubilou as realidades mais profundas... com muita dificuldade se atenuou e, quase nunca se escondem, as várias fraturas e as instâncias mais variadas dos (nossos) alunos e mesmo professores.
Só com uma correta articulação entre escola e família e vice-versa se poderá criar uma salutar harmonia de intervenientes em todo o processo educativo, assumindo cada qual a sua função sem desculpas nem acusações, tornando-se como que as duas mãos de uma mesma linguagem em favor do futuro de todos, tanto dos diretamente interessados como da sociedade em geral.
Despretensiosamente, ousamos perguntar:
- Como pode e deve a família fazer do processo de ensino um compromisso na dinâmica educativa?
- Como deve e pode a escola fazer participar a família no processo pedagógico sem desculpas nem acusações... mesmo quando acontece um certo insucesso escolar?
- Quando se unirão as duas instituições (família e escola) para serem criadas as condições mínimas e suficientes em ordem a que o ensino seja educação e o processo educativo possa ser corresponsabilidade na ação?

= Ensinar ou educar?
Aprender e ensinar são tarefas que teem de estar muito bem conjugadas, pois quem ensina aprende e quem aprende terá muito a ensinar... mesmo que de forma tácita. O valor do ensino mede-se não pelos conteúdos aprendidos, mas pelas ‘armas’ com que aquele/a que aprende é capacitado para continuar a estudar, aprendendo na escola da vida, muito mais importante do que a escola dos livros e das matérias curriculares.
Ensinar é, sobretudo, educar as faculdades da pessoa humana: inteligência, vontade/emotividade, afetividade... numa crescente capacitação para a maturidade e não de mera reprodução de conceitos, de teorias nem de esquemas... mais ou menos apreendidos ou colados à pressa.
Atendendo às progressivas técnicas de ensino/aprendizagem é cada vez mais urgente que cada estudante apreenda o seu método de estudo, sem tentar reproduzir o ‘já feito’ por outros mas não assimilado por ele. Com efeito, temos cada vez mais truques para fazer boa figura, mas a quantidade de informações nem sempre é digerida por quem as usa ou ardilosamente delas se serve... numa espécie de cultura do ‘copy-paste’.
- Neste campo de atividade como noutros precisamos mais de mestres, por onde passa traduzida a mensagem pelo testemunho do que de professores mais ou menos categorizados, mas que se esquecem de serem educadores dos seus ‘discípulos’ e não de meros alunos.
- Precisamos de professores vocacionados para a educação e não de certos formadores em matérias sem alma.
- Ensinar é educar com amor e esperança.

Nota – Para quem considera a empresa ‘parque escolar’ uma festa como se poderá explicar a inflação (para o dobro ou o triplo) de preços aquando das obras em certas escolas? Foi incompetência ou terá sido corrupção? O tempo se encarregará de esclarecer...

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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Afecto por Cristo, desafecto pela Igreja

1. Há estudos que revelam o que ainda poucos sabem. E há estudos que mostram o que toda a gente já conhece.
A sondagem realizada pela Universidade Católica documenta o que temos sido capazes de ver mas incapazes de inverter. Ou seja, o número de católicos, apesar de continuar elevado, está a cair. Ainda são muitos (79,5%), mas são cada vez menos (há doze anos, eram 86,9%).

Acresce que — aspecto importante — os portugueses não estão a ficar descrentes (estes não chegam a 10%). Estão, sim, a optar por outras confissões cristãs, por outras religiões ou, então, por cultivar a fé longe de qualquer enquadramento institucional.
Tudo somado, temos vastas matéria para reflexão e muitas pistas para a missão.
Desde logo, importa retomar a interpelação deixada por Joseph Ratzinger nos anos 70: estará a ser a Igreja uma via ou um obstáculo para a busca de Deus e o anúncio de Cristo?

2. Para se aferir a pujança de uma igreja, a multidão é pouco e o culto não é tudo.
Estes indicadores, embora relevantes, são insuficientes para conferir a totalidade do que está em causa.
Eles tipificam o que se refere ao ocasional, isto é, ao que se passa durante certos momentos do ano, do mês ou da semana. Mas não permitem colher o que ocorre de forma constante.
Os estudos avaliam o mensurável, designadamente o envolvimento com a instituição Igreja. Mas a fé tem muito que não é mensurável: a relação com Deus e com as pessoas a partir de Deus.

3. Estes trabalhos quantificam, habitualmente, o que se refere ao «vir». O que se apresenta são números e percentagens sobre aqueles que «vêm» à Igreja.
Sucede que, sendo a Igreja por natureza missionária (como recordou Paulo VI), o primeiro movimento é «ir». E este «ir» há-de visar não apenas «atrair», mas também (e acima de tudo) «repartir».
Num tempo em que muitos chamam seu ao que é comum, é determinante que cada um se disponha a chamar comum ao que é seu.
Trata-se daquele «comunalismo» desenhado nos Actos dos Apóstolos e que tanto impressionava os contemporâneos dos cristãos da primeira hora (cf. Act 4, 32).

4. Nos tempos que correm, a fenomenologia da descrença mantém-se residual.
Ora, isto contradiz, uma vez mais, a ideia, difundida por alguns, do «eclipse de Deus» na sociedade. O encanto por Deus mantém-se. O desencanto pela Igreja é que se acentua. Como inverter esta última tendência?
Propostas haverá muitas, mas todos os caminhos terão de passar por um duplo eixo: espiritualidade e solidariedade.
As pessoas valorizam, cada vez mais, a vivência de Deus no seu interior e anseiam por um testemunho de Deus no exterior. Trata-se, em suma, de uma «sócio-espiritualidade».
A Igreja cai sempre que se aquieta e cresce sempre que se inquieta. A Igreja tem de se «des-centrar» para se «re-centrar». Tem de se «des-centrar» de si para se «re-centrar» naquele que era o duplo centro para Jesus. Deus e o Homem.
Tal como para Jesus, também na Igreja Deus tem de ser a prioridade e o Homem o caminho.
Já dizia o apóstolo João: «Quem ama a Deus, ame também a seu irmão»(1Jo 4, 21)!


João António Pinheiro Teixeira


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06/04/12

O que (também) podia ser a Páscoa

1. Para muitos, a Páscoa é mais o ruído do que a calma. É mais a palavra do que a escuta. É mais a acção do que a meditação. É mais o movimento do que o recolhimento.
O ruído, as palavras, a acção e o movimento dão um grande colorido às nossas terras. Mas a falta de calma, de escuta, de meditação e de recolhimento deixa um profundo vazio nas nossas vidas.

Quando falamos de Páscoa, pensamos no que, a propósito dela, se diz e se faz. Mas era bom que se procurasse o sentido da Páscoa também a partir do que, nela, não se diz e não se faz.
A Páscoa não se reduz às procissões de Sexta-feira e às celebrações de Domingo. Entre o grito da Cruz e a alegria da Ressurreição, há o silêncio da sepultura.
É também por esse silêncio que nos devíamos deixar envolver. Porque é nesse silêncio que germina a novidade plena, a surpresa maior, o reencontro total.

2. De facto, o silêncio não é necessariamente mutismo, ausência ou distância.
Há um silêncio pelo qual tudo nos chega. É o silêncio exterior que nos põe alerta. É o silêncio interior que nos põe à escuta.
É um silêncio, ao mesmo tempo, afónico e atónito. É um silêncio que tanto nos deixa sem palavras como nos preenche com uma paz inquieta.
Afinal, as palavras costumam morrer nos lábios e os pensamentos acabam por se ofuscar na mente.
É, por isso, o silêncio que nos permite acolher o grande murmúrio que Deus faz ecoar no tempo.
E há-de ser a fraternidade a levar-nos a estender a mão àqueles que vão caindo pelas estradas do mundo.
Às vezes, queremos cobrir de palavras o que escapa a toda a palavra. Se as palavras já são débeis para dizer a vida, como não hão-de ser frágeis para (des)dizer a morte?
E, não obstante, multiplicamos explicações. No tempo, atrevemo-nos a cartografar a eternidade e a mapear com minúcia cada um dos seus momentos.

3. A Páscoa é oportunidade para cantar, para louvar. Mas será ainda mais bela se for aproveitada para colher, para captar.
O silêncio não nos afasta dos problemas, mas abre-nos muitos caminhos no meio dos próprios problemas.
Jesus foi tão eloquente quando falou como quando calou. E disse-nos tanto no silêncio do sepulcro como no grito da Cruz.
O silêncio é o nada donde vem tudo. Não é esse, aliás, o transe da criação?
Deixemos, pois, falar a Páscoa no tempo! E façamos ressoar a Páscoa na vida!

4. A Páscoa é, sem dúvida, uma festa. Mas é uma festa que começa num fracasso.
O fracasso de Jesus parecia ser total, definitivo, irrecuperável.
Neste sentido, a Páscoa significa que nem a morte é o fim. A Páscoa assinala o começo depois do próprio fim.
Tudo está em aberto. E o que conta não são apenas os conceitos debatidos e as soluções já tentadas. O que conta é o novo, aquilo que ninguém (ainda) conhece, aquilo que (ainda) está para acontecer.
Adormecida, no nosso interior, está a esperança. Dorme o prolongado sono da resignação, do desalento.
É tempo de despertar a esperança. É hora de despertarmos para a esperança!

João António Pinheiro Teixeira
teólogo


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04/04/12

Ao compasso do tempo - 06 Abril de 2012

Inscrever a fé cristã no tecido da sociedade é a nossa missão. Mesmo alguns não católicos, à semelhança do sociólogo Marcel Gauchet, desejam que a Igreja não se retire das sociedades secularizadas mas que aí invente novas formas de presença. Que os valores e os critérios do Evangelho iluminem e qualifiquem os normais comportamentos humanos, seja o civismo, seja a pesquisa científica, seja uma associação solidária de moradores. É o fermento a levedar, sem ser precisa uma apresentação (um bilhete de identidade ou um distintivo na lapela do casaco). E continua Gauchet: “mas que este estilo de viver seja sempre respeitador do carácter não religioso que aí se respira”.

Recusamos os silêncios e o negativo: a violência, a insegurança, o desemprego, a corrupção…

Mas temos dificuldade em responder positivamente: como defender a dignidade humana? Como prestar a atenção a situações de pessoas do nosso ambiente profissional?
Como desenvolver um espírito de civilidade e de cidadania no prédio onde habitamos? Como exercer a justiça junto de quem nos serve? Como plantar um tom de humanidade no dia a dia, indiferente e distraído? Como celebrar a Páscoa, se não somos protagonistas da grande corrente de libertação, que se apõe à escravatura de toda e qualquer ordem, impedindo que a desilusão de tantas espécies de morte abafe a nossa alegria de viver e coexistir?

Num tempo, em que se promove a espiritualidade(s), para além dos muros da religiosidade, como encher o mundo de novos valores a partir da espiritualidade em que acreditamos?


Lisboa, 06 de Abril de 2012
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança


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