Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

27/09/12

Memórias pessoais das expectativas do Concilio Vaticano II

Estudava em Roma por 1956-1961: greves frequentes, guerra fria, levantamento anti-comunista na Hungria. Religiosos, seminaristas, monsenhores e bispos mantinham os hábitos talares, faixas e “capelos”. Pio XII inspirava confiança nos discursos aos médicos e nas audiências de cadeira gestatória. Circulavam histórias da resistência anti nazista, de judeus pseudo-doentes nos hospitais e do massacre nazi nas Fossas Ardeatinas. E outras de comunistas infiltrados em seminários e conventos, até os Focolares seriam infiltrados e os Jesuitas anti-Opus Dei. Em conferências de missionários expulsos da China descreviam-se as lavagens ao cérebro sofridos. Em 9 de outubro de 1958 Pio XII morre em Castelo Gandolfo onde com milhares homenageei o seu corpo, e em Roma participei no cortejo funerário a pé desde Latrão ao Vaticano. Fiz várias corridas à Praça de S. Pedro até à 11ª votação e eleição de João XIII a 28 de outubro. E em 25 de Janeiro vibrei com surpresa do anúncio do Concílio e do Sínodo Romano, eventos contrastantes entre si. As expectativas sobre o Concílio subiam ao rubro. Ouviam-se alvitres de que padres e religiosos (sic) casariam, e acabariam hábitos talares, coro, algumas orações e suspeitas de ameaças comunistas. Haveria mais autenticidade. Alguns professores passavam do latim para o italiano, de manuais tradicionais de moral para La Loi du Christ de Bernard Haering, como fez o meu Professor, Mons Ferdinando Lambruschini. Surgiam nomes para as comissões pre-conciliares, Anníbal Bugnini, meu professor, para a de liturgia... Repetia-se: aux sources!, esgrimido mais fidelidade e menos tradições seculares. O esvaziar-se de grandes seminários e colégios nacionais romanos de religiosos suscitavam expectativas de mais vocações na Igreja. O regresso ao espírito genuíno dos fundadores e aos Padres da Igreja e maior abertura à modernidade iria facilitar tudo e travar o abandono. O lema de João XXIII de buscar o que une antes de buscar o que separa, fazia crescer nalguns a expectativa de que protestantes, ortodoxos, comunistas, fiéis de fé católica, vida laical e consagrada seria tudo igual. Relativismo? Já em Portugal em funções de formação o meu entusiasmo e espectativas cresciam ao rubro, quase em transe inocente, por 1963-65 no curso de psicologia no ISPA. Com a Constituição da Sagrada Liturgia em discussão e outros documentos anunciados as expectativas eram de que haveria mais participação, menos triunfalismo, mais realização pessoal e autenticidade, mais fraternidade, igualdade; obediência dialogada, pobreza sem miséria e castidade sem constrangimentos ascéticos de teor masoquista. Voltar ao espírito dos fundadores com aggiornamento e renovação de praticamente todas as áreas da vida da Igreja e da vida religiosa dava espectativas altas...O passado era quase tabua rasa. Esperava-se muito do uso do vernáculo na liturgia, do altar voltado ao povo, do sacrário tirado do centro ou do padre de costas para ele, de igrejas sem genuflexórios e sem adoração ao SS. Sacramento. Jesus agora estava ao nosso nível, amigos, quase iguais. A fraternidade sem expressões de honra e sem lugares de presidência, de autoridade e precedência nos conventos - renovaria tudo. As mudanças democratizantes com autenticidade e mais espírito evangélico refundariam os institutos, antes do risco de acabarem. As novas constituições ad experimentum iam ajudar a encher os noviciados e as igrejas. Entretanto os religiosos sentiam um desconforto subretício com a Lumen Gentium e a Perfectae Caritatis. A LG punha a santidade ao alcance dos leigos e a PC mantinha a vida consagrada com perda do seu monopólio de “perfeição”. Se os leigos podiam associar a santidade no mundo e as tarefas temporais (mundanas?), os consagrados ficavam a perder. Apesar das muitas ações de formação, este mal estar não era superado. No final dos anos sessenta deu-se a debandada. A apregoada autorrealização psicológica, conceito ambíguo à luz da fé, misturou-se com as ideias loucas de Sarte, Marcuse, do Maio 68 e tantas outras, dos anos 1968-1975 e com os valores da liberdade quase absoluta e as livres escolhas. E foi levando à busca desenfreada de sucesso mundano, à autoidolatria, secularismo, relativismo, hedonismo egocêntrico e consumismo. Estes ismos exacerbados poderiam ser ultrapassados com o ativismo apostólico? As expectativas conciliares de centrar a vida de fé no seguimento radical de amor e serviço a Jesus Cristo vão continuar presentes neste Ano da Fé “em nome de Deus antes e acima de tudo” e confiando só em Jesus Cristo (S. João de Deus). Aires Gameiro, Irmão de S. João de Deus In Ecclesia

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26/09/12

E depois de 15 de Setembro?

Pelo significado social, político e histórico, o dia 15 de Setembro de 2012 vai marcar os próximos tempos, sejam quais forem os resultados... na condução da nossa vida coletiva. De fato, as manifestações em várias cidades do país quiseram dizer que algo vai mal no subterrâneo da nossa democracia. E nem as diabruras de uns tantos infiltrados para criarem incidentes nos podem distrair do que está – e possivelmente continuará a estar por largos meses – em causa. Numa análise ainda um tanto incipiente parece-nos que devemos encontrar prós e contras – numa espécie de paralelo – naquilo que aconteceu... e, tal como em tudo na vida, podemos e devemos encontrar leituras diversas, questionando-nos e sendo questionados. = Sinais em favor As dificuldades economico/financeiras das pessoas, das famílias e das empresas são graves. O silêncio sepulcral em esta(va)mos a viver tinha de ser sacudido. Quem cala nem sempre consente! A diversidade de intervenientes, desde crianças até famílias inteiras, percorrendo um largo espetro de desempregados e de jovens à procura de emprego... num leque diversificado e atento ao (seu) futuro a curto e médio prazo. Muito para além dos números dos sem rostos – tais foram já outros falhanços das convocações via redes sociais – houve que tenha tido a ousadia de sair de casa, acreditando que todos temos uma palavra a dizer sobre o nosso futuro coletivo. Num país pouco politizado para defender os interesses comuns, vimos pessoas que estão atentas ao futuro das gerações vindouras, trazendo-as também à liça da participação mais consciente. = Leituras de apreensão Mais do que o número de pessoas que veio para a rua foi um tom algo exaltado – mesmo por entre ‘elogios’ medíocres para o bom comportamento (dito) cívico dos manifestantes – e revivalista do tempo do prec... no distante verão de 75. Até algumas palavras de ordem soavam àquela época! Vimos muita gente mais interessada nas suas regalias e obejtivos do que pessoas preocupadas com o futuro do país, pois podemos deitar a perder com a multiplicação de iniciativas idênticas a credibilidade conseguida junto dos nossos emprestadores... internacionais. De algum modo foi triste – e talvez preocupante para novos protestos – vermos agressividade semeada por gente que se esconde por trás de caras encobertas e à sombra gera barulho, provocação às autoridades e propensa à destruição... A Grécia pode repetir-se em Portugal! Seria desagradável e incontrolável... Numa espécie de associação na desgraça não havia necessidade de vermos certos aproveitamentos – sindicais, partidários, grupais e de lóbi – por entre os que se quiseram manifestar, pois nem sempre a desgraça alheia pode servir de cobertura aos protagonismos mais interesseiros. = Que futuro? Cremos que já basta de culparmos os outros – embora haja quem seja culpado e não o assuma! – para nos desculparmos pelos nossos insucessos pessoais e coletivos, familiares ou profissonais, pois da assumpção da culpa poderemos encontrar o caminho a seguir. Ainda não vimos – cristamente falando – quem tente fundamentar nos valores dos Evangelho, clara e distintamente, a solução dos nossos problemas mais sérios. Vamos ouvindo frases e chavões de teor mais reivindicativo do que profético, pois denunciar não basta, se não nos comprometermos na solução... proposta. Temos de aprender a viver na simplicidade – evangelicamente diz-se ‘pobreza’ – de vida escolhida e não no azedume contra a austeridade. Esta é-nos imposta, enquanto aquela pode fazermos viver com o essencial sem esbanjamento nem consumismo de faz-de-conta. Verdade a quantos nos obrigas! António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

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