Ao Compasso do Tempo - Crónica de 07 de Janeiro 2011
Por vezes é bom olhar para trás. No último dia de 2010 quis entregar em mão uma troca de correspondência de há quarenta e dois anos a um dos intervenientes.
Estava em Paris nesse 1968-1969. Não havia internet, nem RTP Internacional. O telefone era caro. Um canal radiofónico era o único a comunicar… o oficial.
Era o fim de uma década, menos bem entendida por alguns actuais analistas. E compreende-se. Foram tempos da discussão dos colonialismos, da promoção dos direitos humanos e das democracias, do exame crítico das ditaduras e dos totalitarismos, do Concílio Vaticano II, da “Pacem in terris” de João XXIII. Também era a época do aguardar a luz verde ao fundo do túnel para muitas matérias e esperanças. Do lado de lá da fronteira portuguesa, D. António Ferreira Gomes aguardava os momentos da libertação do exílio e do lavar a cara, proscrito que foi pela ilegalidade e pela violência gratuita.
Pois essas abundantes folhas que deixei a esse comunicador insuspeito do que se passava pela nossa leira, e em particular, do que dizia respeito ao nosso Pastor, constituem um reportório da diocese do Porto, no seu dia-a-dia.
Nomes, reuniões, listas solidárias, sectores favoráveis, cartas “apaixonadas” (do ponto de vista político), tendências do laicado e do clero, perspectivas culturais ou ao invés (o governo é o impedimento maior ou os obstáculos residem nas posições da Santa Sé ou nas diplomacias do Núncio Apostólico, etc., etc.), artigos na imprensa internacional, são, entre uma floresta de assuntos, uma narrativa histórica, uma encenação respeitadora de acontecimentos, uma denúncia de situações, mas também, e sobretudo, de anúncio (de coragem, de esperança, de comunhão de justiça, de fidelidade constante, da busca da verdade).
Por aquelas folhas perpassam documentos (hoje esquecidos) de grande objectividade e alguns deles com um humor raro. Surgem também alusões trágicas, à semelhança da peça teatral, onde o coro é contraponto irónico ou alvoraçada de figuras históricas e de seus envolvimentos e cargos, onde os poderes do mundo e os “chefes do Sinédrio” parecem ensaiar um desfecho a contento ora da dignidade ora das conveniências.
Por que é bom saber ler o que nos resta sempre de todas as memórias?
Há causas aparentemente perdidas, que ressuscitam ganhas! Como é possível que o não possível reapareça á boca do palco, recopiando a Ressurreição:
“Não tenhais medo. Sou eu”.
E, nestas tensões civilizadas, há sempre um princípio basilar: “É preciso acreditar no diálogo”. Urge entender rectamente a conflitualidade: as diferenças de posição, em linguagem educada e em porte civilizado, impedem seja chamada de inimizade o que não passa de expressão legítima de pensar diferente. Estamos muito longe da democraticidade.
Esta uma razão primacial para aprender com experiências únicas. Forma pedagógica para pôr o pé num novo ano!
MDN, Capelania Mor, 07 de Janeiro de 2011
Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança
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