Jornal de Opinião

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28/09/10

Raízes da pobreza... em Portugal

Além dos aspectos «técnico-cientifícos e políticos que interferem na luta contra a pobreza, existem aspectos éticos que, na perspectiva cristã, requerem mudanças profundas, que constituem um problema de cultura e de pessoal».

A reflexão fê-la Alfredo Bruto da Costa – presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz – na Semana de Pastoral Social, que decorreu, recentemente, em Fátima. Para este especialista em questões do foro social, com particular incidência cristã, o «muito que se faz visa apenas atenuar o estado de privação em que os pobres se encontram, a suprir as carências básicas – alimentares e outras --, mas não visam ajudar os pobres a reconquistarem um lugar na sociedade, de modo a terem meios de vida próprios e não precisarem da nossa ajuda».
Quando tantos andam a falar – mais do que a resolver – da pobreza, torna-se fundamental escutar quem, tendo um quadro de valores em função dos outros, nos pode ajudar a ir à raiz das questões e não a ficarmos pela rama dos episódios e soluções sem nexo. Ainda, neste verão, podemos, conversar com o professor Bruto da Costa e aferir das suas preocupações, anseios e projectos.

Cultura da pobreza – Mais do que uma noção sociológica a pobreza é, muitas vezes, um estado emocional, onde se entrecruzam imensos factores de natureza pessoal, familiar, social e, mesmo, nacional. Quantas vezes nos podemos acomodar a que outros façam aquilo que devia ser feito por nós mesmos. Nalgumas situações a pobreza é uma espécie de tortulho que cresce no lamaçal da subsidio-dependência. Um dos sinais mais reveladores desta mentalidade podemos vê-lo no (dito) rendimento social de inserção... pois o trabalho de emprego é menos bem pago, embora seja mais digno e honesto.
Se nos detivermos a analisar a acção de certos partidos políticos, movimentos sindicais, associações (mesmo eclesiais) e indivíduos poderemos ver que é sobre os pobres que constroem a sua imagem. Tirem-lhes o discurso do ‘pobrezinho’ – ignorante, carente ou pedinte – e esvazia-se a razão de ser desses fautores da pobreza... local, regional e nacional.
Urge elevar as motivações das pessoas, dando-lhes não só a cana para pescar, mas também o peixe para que tenham força para lançar a cana de pesca. Basta de dar o peixe a conta gotas, doseando a dependência... psicológica e emocional.

Pobreza cultural – Na medida em que formos dando capacidade cultural – tanto pela instrução como pela assumpção de si mesmos – os pobres farão o esforço de serem dignos de si próprios e não sofrendo da mera incapacidade de serem, dignamente, pessoas com direitos e deveres.
Nalgumas situações os ‘novos pobres’ – rótulo para pessoas que deixaram de ter meios suficientes de subsistência por perda do emprego, por endividamento ou por razões endógenas de condução da vida pessoal e familiar – abeiram-se da ajuda não-Estatal, embora paguem (ou tenham pago) os seus impostos, quase já não acreditam na providência do Estado social...
Quantas vezes é pela ignorância que certas forças vão ganhando eleições, continuando no poder com promessas vãs e fazendo dos outros peões de corrida para a sua promoção inocente mas não inocentada... Onde estão os ‘intelectuais’ da nomenclatura, quando cairam certas cortinas? Será que é exaltando a pobreza que seremos um país próspero e criador de riqueza? O colectivo só serve para ir adiando, pela negativa, a capacidade de cada um ser construtor do bem comum.

Desafios pela pobreza evangélica – ‘Bem-aventurados os pobres que o são no seu íntimo, porque deles é o Reino dos Céus’, lemos na apresentação dos princípios do «sermão da montanha», no evangelho de São Mateus. Daqui decorre, antes de tudo, um desafio para toda a vida sob a terra: ser intérprete da mensagem de Jesus, lutando contra a pobreza que ofende a pessoa humana e assumindo a prossecução de ser como Jesus, deprendido de tudo para ser servo de todos e em toda a parte.
Urge que cada cristão se assuma como cidadão de duas cidades: a terrena onde vive e se compromete e a celeste para onde caminha em fraternidade sincera e humilde.
Temos heróis e santos que nos ajudam, provocam e incentivam a viver nesta dinâmica sem ressentimentos, mas em caridade na sombra e sem palmas. Queira Deus que sejamos dignos de tão grandes antecessores e intercessores... na terra como nos Céus!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)


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