Autoridade com amor (a grande lição da manhã de Páscoa)
1. A Páscoa não é uma circunstância vaporosa de uma época distante.
Ela é a novidade perene oferecida ao homem e inscrita no tempo. Em cada tempo. Também no nosso tempo.
O Evangelho, até no mais ínfimo pormenor, tem a preocupação de realçar tal novidade.
A referência ao «primeiro dia da semana» (Jo 20, 1) surge em nítido contraste com o dia anterior, o último dia.
O último dia culmina na Cruz. O primeiro dia arranca do sepulcro.
Em causa não está tanto a introdução do novo como a transformação do antigo. É o antigo que se renova, que se transfigura.
Este dia começa cedo, ainda escuro. A escuridão mora em quem procura alguém que julga estar morto.
Maria de Magdala nem sequer se apercebe de que já se encontra num tempo novo.
Ela está persuadida de que a morte levou a melhor. As evidências parecem inultrapassáveis.
2. Mas eis que o sinal da morte está removido. A pedra no sepulcro seria como um ponto final num texto. Afinal, o texto iria continuar.
Sucede que, num primeiro momento, a reacção é de alarme. Não se trataria de uma vitória da vida, mas do furto de um cadáver (cf. Jo 20, 2).
Resolve então avisar dois dos discípulos de Jesus: Pedro e João, duas personalidades e dois sinais.
Aliás, o autor do quarto Evangelho insiste bastante na categoria sinal. Quando fala de milagres, emprega sempre a palavra sinais (semeia).
Pedro representa a autoridade, João iconiza o amor. Já na Última Ceia, Pedro está perto de Jesus, mas pede a João para Lhe perguntar acerca de quem O iria entregar (cf. Jo 13, 23-26).
Por aqui se vê como a autoridade, na Igreja emergente, não vale por si mesma. Ela só age através do amor, pela mediação do amor.
3. Depois da ressurreição, ocorre o mesmo. Pedro sai com João rumo ao sepulcro. Ou seja, a autoridade não dispensa o amor na procura de Jesus.
Mas, a determinada altura, João antecipa-se. Na verdade, o amor vai sempre à frente e chega sempre primeiro.
Como refere o comentário de Mateos-Barreto, «corre mais depressa o que tem a experiência do amor, o que foi testemunha do fruto da Cruz».
De facto, na hora da morte, só o amor (João) esteve presente. A autoridade (Pedro) ausentara-se. Só o amor é capaz de vencer o medo.
João chega primeiro ao sepulcro. É pelo amor que se atinge a meta e que se chega a Deus.
Só que, como reconhece S. Paulo, o amor também sabe ser paciente, também consegue esperar e, aspecto nada negligenciável, nunca é invejoso (cf. 1Cor 13, 4).
João vê o sepulcro vazio, mas não entra. Aguarda que Pedro venha.
O amor respeita a autoridade. Até porque sabe que, na Igreja, a autoridade está ao serviço do amor.
Não se trata de um mero gesto de deferência. É, sobretudo, um gesto de reconciliação.
É que, com as negações de Pedro (cf. Jo 18, 15-17.25), era a autoridade que vacilara, vacilara no amor.
Agora, o amor dá uma nova — e definitiva — oportunidade à autoridade.
João, que estivera junto à Cruz, não se arroga uma qualquer superioridade, estatuto tão fácil de avocar e sentimento tão pronto a exibir.
O amor é humilde. Sabe que a autoridade tinha negado Jesus, mas, por isso mesmo, deixa-a entrar em primeiro lugar para que, em primeiro lugar também, expresse o seu amor.
4. O amor é mesmo assim: uma sucessão de começos. A autoridade sente-se reabilitada e segura por correr atrás do amor.
Na Igreja de Jesus, a autoridade só faz sentido em função do amor.
Só correndo atrás do amor, a autoridade alcança o seu destino. É o amor que aponta o caminho à autoridade. Sem amor, a autoridade perde o norte, a bússola.
Eis, por conseguinte, uma novidade jamais superada. Pedro e João a caminho do sepulcro sinalizam, assombrosamente, o perfil da Igreja pelas estradas do mundo.
A autoridade é necessária. Mas só para tornar presente o essencial. E o essencial é o amor.
Porque, como alvitra o Evangelho (cf. Jo 20, 8), só com o amor se vê, só pelo amor se acredita.
João António Pinheiro Teixeira
padre
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