Jornal de Opinião

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22/02/10

Idosos, mais velhos e auto-cuidados

No espaço de duas semanas escutei dezenas de comunicações e li uns artigos sobre idosos ou mais velhos, como alguns acham que se deve dizer agora. Outros ainda pensam que se deve dizer os de mais idade.

Tanto na semana de estudo da vida consagrada, Fátima, como num congresso sobre pessoas com Altzheimer, saúde mental e idosos, em Barcelos, não faltaram eufemismos, afirmação técnica e alguma, pouca, sobre o lugar dos mais velhos na sociedade, mas menos sobre o respeito das suas competências, iniciativas e direito de gerir o seu tempo e bens até ao limite das suas capacidades. Importa promover o envelhecimento activo, diz-se, mas 80% do discurso vai no sentido de tornar “os mais velhos” sempre mais dóceis, passivos e dependentes com um cortejo de técnicos a monitorizar e travar todos os seus movimentos e iniciativas. Afirma-se continuamente a competência dos técnicos; e as doenças e incompetências das pessoas cuidadas. A cultura tem persistido em elevar as crianças e adolescentes à categoria de ídolos e os idosos à categoria de “crianças”.

Nas exposições houve algumas posições que contrariam esta tendência avassaladora, mas foram qual gota de água no oceano. Claro, há mesmo idosos que precisam de cuidados como os que se prestam a um bebé, mas isso não justifica infantilizar a maioria deles como por vezes transparecia dos discursos e foi criticado por outros colegas. Até se afirmou que se o idoso tentasse narrar as experiências da sua vida se devia contrariar. Pelos vistos, justificava-se, para o treinar naquilo que o técnico pensa que sabe sempre melhor que o idosos o que lhe convém.

Nos corredores deixei a minha proposta com alguns médicos e outros participantes, mesmo um alto dignitário da pastoral da saúde do Vaticano, meu amigo. Esta centra-se na necessidade de congressos e encontros sobre o empowerment dos cidadãos nos cuidados da própria saúde, isto é, na formação e treino de auto-cuidados de prevenção, promoção, e de “cuidados continuados” de si mesmo. Então os cidadão têm que ser treinados em tanta coisa da vida, menos em cuidar de si? Lembram-se de quando diziam que era perigoso os cidadãos usarem eles mesmos para si e para os outros o termómetro, verificar a pulsação, usar o aparelho de tensão arterial, verificar a glicemia, auto-administrar a insulina…e agora o desfibrilhador depois de treinados. Tudo era perigosos mesmo que os utilizadores tivessem formação elevada noutras áreas. Treinar em auto-cuidados vai sendo a única maneira de responder a muitas situações de saúde, deixando para os técnicos , médicos ou outros, os 50% de tratamentos e cuidados mais especializados e (ainda) menos acessíveis aos auto-cuidados do cidadão comum.

Não concordo totalmente, mas penso que foi ponto pertinente para obrigar a reflectir, a questão que um médico deixou no congresso do norte. Cito de memória. A quem interessam mais tantos cuidados e tratamentos [especializadíssimos, diria eu ]: a pessoas idosas e já muito diminuídas e muito demenciadas? Aos próprios, nem sempre. A S. João de Deus, também não [eu diria: se a pessoa já estiver pronta como João Paulo II quando disse: deixem-me partir].Então a quem interessam mais? Aos que vão investindo à grande em novos hospitais e estruturas para eles. Também interessam ao Instituto S. João de Deus e mais ainda aos que nelas conseguem emprego, e por isso, interessam-me também a mim, arrematou o médico.

Deixou um amargo de boca a verificação que uma assistente social referiu sobre o terreno em que se move: grande parte, senão a maioria, dos idosos e muito idosos nem sequer têm uma reforma ou pensão que lhes permita comer e muito menos ser acolhido num lar dos mais simples e menos caros, às vezes sem as condições mínimas. E muitos desses também não têm família para eles.

Ao leitor deixo esta dica amiga: cuide da sua saúde desde os vinte ou trinta anos, ou dos sessenta ou setenta, se já não puder ser antes. Faça tudo ao seu alcance para evitar as doenças evitáveis para gozar de uma velhice o mais saudável possível; tudo menos morrer por sua vontade. Evitar a ganância, o orgulho do poder e a adição aos prazeres poupa a saúde e está de acordo com o tempo de quaresma. E, entretanto, treine-se em tudo o que são auto-cuidados porque no futuro dificilmente haverá dinheiro para pagar salários a técnicos suficientes para a prestação de todos os cuidados aos mais novos e aos mais velhos.
Fátima, 1º domingo da quaresma, 20.02.10
Aires Gameiro

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