Jornal de Opinião

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04/02/10

É a nossa pobreza que (mais) empobrece os pobres

1. O poder diz que faz muito pelos pobres e estará a falar verdade.
Mas os pobres replicam que o poder faz pouco por eles e alguém acha que estarão a mentir?

É que o muito que o poder diz que faz é sempre pouco para quem precisa, para quem sofre, para quem sobrevive com dificuldades de toda a espécie e obstáculos de toda a ordem.
Daí que se instale a dúvida: será que o poder está mesmo interessado em acabar com a pobreza?
É, de facto, a nossa pobreza (pobreza de horizontes e pobreza de generosidade) que mais empobrece os pobres!

2. Há palavras que servem sobretudo de ornamento. Uma delas é pobreza.
Falar de pobreza — e dos pobres — fica sempre bem. O que problema é, muitas vezes, não se passa disso.
O Ano Europeu contra a Pobreza e a Exclusão Social, que estamos a viver, pode padecer desta enfermidade, endémica e atávica.
Uma vez mais, falar-se-á muito de pobreza e, uma vez mais também, nada — ou pouco — se alcançará.
Às vezes, no nosso íntimo paira até a dúvida se estamos perante programas contra a pobreza ou se não estaremos, antes, perante programas contra os pobres.
De facto, fala-se muito em lutar contra a pobreza. Mas, infelizmente, o que mais se vê é lutar contra os pobres.
É que quando nada (ou pouco) se faz pelos pobres é como se contra eles estivéssemos.
Também aqui não são as palavras que valem. São os gestos. É a vida.
Como sempre, a realidade é muito mais eloquente que o mais eloquente dos discursos. Seja qual for o sistema económico, as vítimas são sempre as mesmas: os pobres.
Razão assistia, pois, a George Orwell quando verteu a célebre máxima: «Todos os homens são iguais, mas uns parecem mais iguais que outros»!

3. Por muito que se diga e até por muito que se faça (valha a verdade que alguma coisa se tem feito), o combate à pobreza está muito longe de ser uma prioridade.
Ainda recentemente, o jornalista Manuel António Pinto nos desassossegava com este dado: «A União Europeia vai investir 17 milhões de euros na luta contra a pobreza, tanto quanto gastaram, em Dezembro, Sporting e Benfica em novas contratações»!
É por isso, talvez, que somos pobres: porque não canalizamos os recursos para o essencial; porque preferimos enterrá-los no secundário.
Por outro lado, isto mostra que o alastramento da pobreza não é somente uma questão política. É também — e bastante — uma momentosa questão cívica.
Trata-se de uma questão que nos aparece sob a forma de carência e que tarda em assumir a feição de uma urgência.
Vamos acordando e vamo-nos mobilizando para a pobreza ao sabor das circunstâncias e ao ritmo das tragédias.
Sempre que ocorre uma situação como a do Haiti, somos capazes de nos movimentar e de modo avassalador.
E, como sucede quase sempre, são os pobres os que mais se apressam a ajudar os pobres.
Falta, porém, fazer deste desígnio uma constante. No fundo, falta que a pessoa esteja no centro: no centro da acção política, no centro da vida.

4. O desnível entre países ricos e países pobres é aflitivo. Acresce que a maioria das pessoas vive em países com poucos recursos.
Não esqueçamos, com efeito, que oitenta por cento da riqueza está concentrada em vinte por cento da população. Ou seja, são poucos os que têm muito. E são muitos os que têm pouco ou quase nada.
Na União Europeia, Portugal é um dos nove mais pobres, existindo quase dois milhões de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza.
A região norte, mergulhada na falência das fábricas, lidera a pobreza com um rendimento per capita expresso em poder de compra idêntico ao dos países de Leste.

5. Que lugar tem Cristo num mundo que consente que 14 milhões de crianças morram antes de completarem…cinco dias de vida?
Que lugar tem Cristo num mundo que admite que 800 milhões dos seus habitantes passem fome?
Um grito, por isso, urge lançar na direcção de quem aparenta conceber a existência (apenas) como uma luta, vendo adversários em todo o tempo e inimigos em toda a parte: se querem lutar, lutem a fome!


João António Pinheiro Teixeira
padre


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