Jornal de Opinião

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04/02/10

Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social, analogia curiosa

O Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social, proposto para o corrente ano pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia com o grande objectivo de reforçar o empenho da União e de cada Estado-Membro na solidariedade, na justiça social e no aumento da coesão social, exercendo um impacto decisivo na erradicação da pobreza que se faz sentir por toda a Europa, já viu decorrer o seu primeiro mês.

Pese embora toda a esperança que se deseja implementar no início de qualquer projecto humano, a temática deste Ano ainda mal se fez sentir, pelo menos a nível nacional. Sabe-se que o Instituto de Segurança Social é a entidade nacional responsável pela organização e coordenação das actividades deste Ano sendo o seu presidente, Dr. Edmundo Martinho, o representante de Portugal no Comité Consultivo do mesmo e também o Coordenador Nacional. Por sua vez, o coordenador tem o apoio de uma equipa técnica que acompanha as actividades desenvolvidas e auxilia nas actividades de coordenação. Além disso, foi criada uma Comissão Nacional de Acompanhamento, constituída por delegados dos diversos ministérios e das regiões autónomas, os parceiros sociais, as organizações não governamentais, a coordenação nacional do Plano Nacional de Acção para a Inclusão (PNAI) e o Fórum Não Governamental para a Inclusão Social (FNGIS), entidades apresentadas com a capacidade de defender e promover os direitos e interesses das pessoas que estão em situação de pobreza e exclusão social. O programa nacional, que preconiza os seguintes quatro grandes objectivos: 1) contribuir para a redução da pobreza e prevenir os riscos de exclusão através de acções concretas que tenham impacto real na vida das pessoas; 2) contribuir para a compreensão e visibilidade que a pobreza é um fenómeno multidimensional; 3) capacitar e mobilizar toda a sociedade num esforço de erradicar a pobreza e situações de exclusão; e 4) assumir que a pobreza é um fenómeno de todos os países e que não conhece fronteiras, ainda mal se notou. De referir que, para todas as actividades a realizar, o orçamento provisional é de cerca de dois (2) milhões e euros, distribuído, sobretudo, por duas grandes rubricas: comunicação, seminários e eventos (cerca de um milhão e quatrocentos mil euros) e financiamento de projectos (seiscentos mil euros), orçamento do qual cerca de trezentos e sete mil euros são verbas comunitárias de um total de dezassete milhões de euros que é disponibilizado para todas as actividades a realizar nos países membros da União Europeia.

Este cenário das comemorações do Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social entre nós, bem como o seu financiamento, se comparado com outra efeméride que se vive, no corrente ano, em Portugal, ou seja, o centenário da República, apresenta-se, no mínimo, como uma analogia curiosa. Senão, atente-se nos seguintes dados: uma Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República Portuguesa (1910-2010), já devidamente publicitada; mais de 500 propostas de âmbito cultural e artístico a levar a cabo e já apresentadas; um orçamento de dez (10) milhões de euros disponibilizado; múltiplas comissões distritais e concelhias de celebração do Centenário, com programas próprios, muitas delas já devidamente organizadas; uma forte estratégia de comunicação, a vários níveis, já visível; múltiplas iniciativas já programadas e divulgadas para escolas, universidades, poder local, regiões autónomas, etc; uma cerimónia pública de lançamento do Centenário, com pompa e circunstância (Porto, 31 de Janeiro); um site já devidamente organizado; entre outros.

Sem querer questionar a relevância da celebração de tal Centenário, registo que Portugal, apesar dos seus milhões de republicanos, é um dos países mais pobres da Europa, com cerca de dois milhões de pessoas em situação de pobreza, afectando, sobretudo, crianças e idosos. Além disso, Portugal apresenta um dos maiores fossos entre ricos e pobres no que diz respeito aos respectivos rendimentos. Perante esta realidade e perante os objectivos deste Ano Europeu, associados aos interesses nacionais, alerto e desejo que, apesar de todas as diferenças entre as duas grandes iniciativas comparadas, este Ano de Combate à Pobreza e Exclusão Social não seja uma oportunidade perdida e abafada por quaisquer outras celebrações.

A este propósito, quero referir uma feliz iniciativa na qual tive o privilégio de participar no passado dia 27 de Janeiro, em Bruxelas, no Parlamento Europeu: o lançamento da Campanha Europeia “Zero Poverty” por parte da Cáritas Europa, testemunhada por cerca de uma centena de pessoas de representantes das Cáritas de quase todos os países da Europa, entre outros parceiros, e por uma dezena de eurodeputados da Comissão de Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu, liderados pela respectiva Vice-Presidente, Elisabeth Schroedter. Este evento serviu também para dar a conhecer o documento “A Pobreza entre nós” que reflecte a visão da Cáritas sobre a multidimensionalidade da pobreza, pretendendo ser um instrumento de trabalho ao serviço das 48 Cáritas que constituem a rede na Europa, bem como de outros actores.

A campanha “Zero Poverty” pretende assinalar este Ano Europeu através de múltiplas iniciativas encabeçadas pela Cáritas, tanto a nível local, como nacional e ainda internacional, consciencializando os europeus para o facto de que a pobreza diz respeito a todos e todos podem fazer algo para a erradicar. Uma dessas possíveis acções é a proposta de uma petição on-line (www.zeropoverty.org), a qual pretende influenciar os organismos nacionais e europeus a adoptarem medidas que contrariem os sinais crescentes de pobreza que se fazem sentir na Europa. A meta a alcançar será um milhão de assinaturas a entregar, no final do ano, às instituições europeias.

Em Portugal, esta campanha tem a denominação de ACABAR COM A POBREZA JÁ! e conta(rá) com o envolvimento activo da rede Cáritas em Portugal, tanto a nível nacional, como diocesano e paroquial. De acordo com Erny Gillen, Presidente da Cáritas Europa, na sua intervenção na sessão de lançamento desta Campanha, queremos reforçar que “a pobreza é um escândalo. Zero é o número que queremos alcançar. Não queremos 0,5 ou 0,8. Queremos que todas as pessoas tenham a possibilidade de viver a sua vida com dignidade.” E eu acrescento: Todas as pessoas, sejam republicanas ou não.

Paulo Neves
paulo.neves@caritas.pt

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