Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

05/03/12

S. João de Deus: um empreendedor para tempos de crise

Estamos em tempos de crise, rodeados de necessitados. Vai ser uma desgraça, clamam alguns, vai adoecer e morrer mais gente. Investigações de “The Lancet”(Espresso,25.02.12) vem dizer que nem sempre é assim e que até podem diminuir as doenças e aumentar a longevidade. Durante a II Grande Guerra na França diminuiu o alcoolismo e as cirroses alcoólicas (que são mais de 80% delas); caíram para quase zero. Estes efeitos paradoxais parecem devidos a vários factores, um deles será o potencial pessoal de iniciativa activado.

Isto vem a propósito de S. João de Deus (festa a 08.03.2012). Em Granada por 1538 a crise era colossal e pelas ruas morriam pobres e doentes de frio e de doenças, espanhóis e mouriscos. O Santo não se limitou a dizer coitadinhos destes miseráveis. Começou a empreender o que podia. Um barracão arrendado, esteiras no chão, uma luz e convite para aqueles pobres da rua passarem ali a noite e sobreviver. Alguns não podiam andar e ele carregava-os às costas. No dia seguinte ia pô-los na mesma esquina para continuarem a mendigar e poderem sobreviver com as esmolas. Não eram os coitadinhos. Podiam mendigar e fazer face à sua subsistência, que o fizessem com dignidade. Nesse tempo mendigar era um recurso de peso. Mais tarde João de Deus já tinha um hospital com médico, enfermeiro e boticário para tratar os doentes. Ia pelas ruas pedir para eles gritando:”quem quer fazer bem a si mesmo”! Mas continuou a receber bebés expostos, órfãos, doentes, ocupava-se de pobres envergonhadas, meninas desamparadas e mulheres da prostituição mas não era para fazer “tudo” pelos coitadinhos, era para empreender com eles e outros. Pedia aos seus benfeitores para os ajudarem mas não dispensava o que cada um podia fazer por si para sair da crise. Entregava os bebés a amas e ajudava-as na criação deles, colocava meninas órfãs em famílias de acolhimento, colocava as mulheres da prostituição em casas de família que as recebiam, e em acolhimentos. Mas não as dispensava do que podiam fazer para sair da crise. Pedia lã, linho, tecidos, etc. que lhes ia levar e que aprendessem a fiar, a tecer e preparem as suas roupas, fazer o enxoval em ordem ao casamento e maior independência. A palavra de ordem era: trabalhem em tudo o que puderem e ajudem quem vos recebe em sua casa; preparem-se para fazer face às vossas necessidades, a ter vida independente e a casar, se isso for da vossa vontade e encontrarem marido. Eu ajudarei. E João foi à Corte a Valhadolide para conseguir meios para ajudar a pagar o dote de 16 dessas mulheres e as levar ao altar.
Perante a crise actual e todas as outras a que todos estamos sujeitos, alguns profissionais, talvez demasiados, ajudam os necessitados mas de tal modo que os tornam passivos e dependentes em vez de empreendedores. Penso que o modelo de S. João de Deus precisa de ser actualizado hoje. Os profissionais de ajuda não precisam apenas de ajudar mas de tornar empreendedores aqueles que ajudam. O princípio de não fazer aos outros o que eles podem fazer continua válido. Penso ainda que os lóbis e corporações de alguns sindicatos e de alguns profissionais de ajuda têm concorrido mais para criar cidadãos passivos e dependentes, para não dizer infantis, que empreendedores e independentes. Há mesmo familiares que treinam os seus para se declararem mais doentes e incapacitados que são na realidade. E porquê tirar dos empregos os idosos que ainda podem trabalhar em trabalho útil e pô-los a fazer coisas inúteis em lares? E porque impedir que os adolescentes a partir de 10 anos se ocupem em trabalhos úteis e só possam fazer coisas que não servem para nada e só dão despesa? Bem sei que nem todos concordam comigo; mas trabalhar em pequeno com o meu pai até me ajudou no treino de várias habilidades e a ficar com experiências do custo das coisas. João aí está como inspiração para nos levar a uma caridade compassiva e empreendedora.

Funchal, Novena de S. João de Deus de 2012
Aires Gameiro

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial