Ao Compasso do Tempo – Crónica de 23 de Março de 2012
Muitos afastaram-se. Outros, morreram. Ficaram alguns ou talvez muitos… leigos e leigas que fui conhecendo! Hoje ainda tenho a alegria de os encontrar, perguntando-me um ou outro como é possível continuar a desejarmos a mudança!
Relendo a “Constituição Pastoral Igreja no mundo actual”, detenho-me no n.º 9:
“Entretanto, vai crescendo a convicção de que o género humano não só pode e deve aumentar cada vez mais o seu domínio sobre as coisas criadas, mas também lhe compete estabelecer uma ordem política, social e económica, que o sirva cada vez melhor e ajude indivíduos e grupos a afirmar e desenvolver a própria dignidade. Daqui vem a insistência com que muitos reivindicam aqueles bens de que, com uma consciência muito viva, se julgam privados por injustiças ou por desigual distribuição (…)
Esta intranquilidade vive-se em Portugal, interrogando-me eu como a consideram os Católicos.
Um mundo de pessoas vive atribulada por se sentir privada de valores e bens, a que tem direito; por outro, vigora na opinião pública a convicção de que a distribuição não respeita a equidade, a justeza, a verdade.
Como reeditar os princípios de Concílio, em ordem a mudar o mundo? Como remeditar hoje o desejo de grandes e inesperadas transformações, sem as pôr em prática no realismo de alterações político-sociais?
Sente-se em Portugal um grande frio, apesar da seca que grassa. Questões destas, por tão abundantes, perderam a actualidade. Ontem, os despertos para o mundo foram acoimados de heteredoxas pelo conservadorismo político (com o qual o acordo da maioria dos católicos era total).
Ao menos na década de sessenta, tempo do Concílio, houve divergências de leituras, em alto som. Hoje, vigoram no campo Católico, opiniões e diferenças. Mas tudo é vivido no silêncio e no pudor! Quando muito, emergem artigos e comentários sobre o Papa… ou questões, directa ou indirectamente, sobre “problemas fracturantes”.
Reviver os critérios do Evangelho é ser voz dos miseráveis e indignificados, dos escorraçados e tristes. Mas está tudo calado (há uma excepção recente: na Madeira, alguém da Igreja Católica, vem confirmar o já afirmado por mais que um sacerdote local: há pobres! Lá!).
E uma releitura de doutrina social da Igreja é luz da Constituição Pastoral Igreja no mundo actual? Não deverá ser este o tema de novo “Congresso da Nova Evangelização”. Se não… é uma seca…
Na década de sessenta, sobretudo com os organismos da Acção Católica, com relevo para alguns, fitava-se o mundo, ajuizava-se o mundo e vigoravam objectivos de transformação. Interpretar é já alterar.
Nas horas que passam, da sociedade emergem com preferência questões da família. E muito bem. Mas as linhas transversais do trabalho, da economia, da cultura, da política, atravessam-na e têm originado um profundo desconforto. E à excepção da Loc e da Joc, do Metanóia e de vários grupos informais, esta grande corrente de atenção às realidades de vida, escapa-se-nos. Em sua substituição sabemos o que há. E a insuficiência é flagrante. Serei pessimista? Reinam o desinteresse, a intoxicação do distanciamento, a insensibilidade diante dos fenómenos sociais. Nunca na Igreja se registou uma prioridade prática a favor dos espoliados. Não posso negar os trejeitos do bem fazer e as emoções das ajudas pontuais. Mas assumir um estudo do que ocorre de perverso, das causas dessas perturbações e dum projecto de reestruturação, é muito raro. Esta mentalidade era urgente criá-la. Mas se nem o jornal se lê e estuda…! Se, em matéria de “nova evangelização” tudo se afunila: devocionismos, diálogos na rua, à semelhança do das seitas, procissões… Não haverá no património pastoral da Igreja em Portugal estruturas ou acontecimentos, a revigorar?
O debate, o diálogo, o método activo na formação permanente, a escolha de pessoas outras, o estudo, o risco de entrar em ambientes sócio-culturais, a coragem da aplicação da doutrina social, etc, etc.
Só alguns discutem a cultura? Só certos se responsabilizam pela emigração, na ordem trágica do dia? Os problemas sócio-económicos ficam reduzidos só a “carolas”? A Comissão Justiça e Paz tem recebido o respeito e o interesse, que bem merece? Ficam à consideração estes apontamentos, inspirados por uma visão pastoral. Precisamos de iniciativas muito mais jovens!
Lisboa, 23 de Março de 2012
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
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