Livres ou facciosos e intolerantes?
Compreende-se que alguns acontecimentos da Igreja, e a própria Igreja, em si mesma, provoquem incómodos aos laicos ateus e a às instituições que andam por esses caminhos. Quem quiser viver como cidadão livre num país democrático tem de fazer um esforço pessoal que lhe permita uma coabitação respeitadora e pacífica, incompatível com facciosismos e intolerâncias. Trata-se de uma exigência de bom senso e de lucidez, que o agir de alguns contraria a cada passo.
Fátima incomoda, as jornadas mundiais de juventude incomodam, as centenas de jovens voluntários que dão as suas férias à promoção de países com reduzidos meios de desenvolvimento incomodam, as instituições privadas de solidariedade social, que se desdobram, gratuitamente, na ajuda aos mais carenciados incomodam, a coragem do Papa ao denunciar os malefícios do relativismo intelectual e moral e ao apontar aos jovens caminhos de libertação interior incomoda… Mas tudo isto, porquê? Será que as ideologias, quaisquer que elas sejam, têm mais importância que as pessoas? Será que a expressão livre da fé, traduzida em gestos comunitários e pessoais de amor fraterno e solidário, inquina o ambiente social? Será que a uniformidade nas ideias e nos comportamentos é mais rica que a liberdade de cada um se afirmar e traçar o seu caminho? Será que os jovens que arrasam tudo e se destroem a si mesmos e, voluntariamente, se excluem da convivência familiar e social e de comportamentos normais, merecem mais consideração do que aqueles que têm um sentido na vida e procuram uma participação na sociedade e uma convivência respeitosa e construtiva de bem? Será que as mentiras, por mais evidentes, nunca desmentidas, são mais úteis à purificação da sociedade, do que o reconhecimento humilde dos erros a superar e o dar as mãos aos caídos da vida, quando neles restam ainda alguns lampejos de esperança?
Aceito que haja quem não goste de Deus, quem negue a Jesus Cristo a sua divindade, quem teime em ver a Igreja do século XXI à luz de alguns desvios e erros de séculos passados, e, até, quem insista na afirmação, velha e caduca, que diz que “Deus morreu”. Não é, porém, de aceitar, pacificamente, que se negue a quem pensa de modo diferente, o direito de viver segundo as suas legítimas convicções, e de opinar, publicamente, no mesmo sentido. O que diverge, quem quer que ele seja, por si mesmo, não é um inimigo a abater. Os que negam, atacam e não respeitam as opiniões dos outros e de todos, são sempre os mais dogmáticos e intransigentes na afirmação e imposição da sua própria opinião, como se fosse a única verdade aceitável.
É cada vez mais clara a verificação de que o mal que envenena as relações pessoais e sociais é fruto da falta de cultura. À teimosia nos preconceitos que geram facciosismo e não permitem sequer ver as consequências da intolerância e da falta de respeito pelos outros, também se lhe poderá chamar, no mínimo, falta de educação e de civismo.
A Igreja Católica, na sua vertente humana, não fez sempre tudo bem ao longo da sua história. Ela continua com defeitos, os dos seus membros, e sofrerá sempre pelas suas limitações. Preveniu-a desta realidade o seu Fundador, marcando-lhe um rumo de procurada coerência e de testemunho intrépido da verdade do Evangelho. O Vaticano II assumiu que a Igreja santa, continuará sempre necessitada de purificação. E a liturgia recomenda que, tanto os membros da hierarquia, como os fiéis, cada dia se proclamem pecadores, frente a Deus e aos irmãos, sempre abertos à misericórdia de um Deus que é Pai, a quem mais apraz perdoar e estimular nos caminhos do bem, que castigar ou condenar. Não obstante esta realidade, a história da Igreja, ao longo de vinte séculos, é mais a história viva de quem não perdeu o rumo e deixou marcas de bem em todos os tempos e lugares, como a instituição que mais humanizou, reconciliou e abriu caminhos de progresso e de paz.
Não é preciso fazer profissão de fé cristã para verificar que assim foi e assim é. Basta ler a história, sem preconceitos e com a preocupação honesta de uma leitura correcta, para se ir descobrindo, mesmo nos desvios lamentáveis, o sentido e a luta pela verdade e pelas pessoas. Certamente que esta leitura não é possível fazer-se com o coração e a inteligência dominados por intolerâncias e por ódios de estimação. São os olhos tortos, que entortam as coisas direitas.
No mais profundo de cada pessoa humana, independentemente da religião ou não religião, há sempre um coração que quer o bem e uma inteligência ávida de verdade. Quem for capaz de dar voz a este irreprimível desejo interior experimentará a verdadeira liberdade e a alegria da possibilidade de uma convivência sadia com todos.
D. António Marcelino
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