Jornal de Opinião

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24/07/09

Ao Compasso do Tempo – Crónica de 24 de Julho de 2009

1. Será um defeito andar colado ao que flui… Mas, ao mesmo tempo, será muito grave esquecer as mortes dos militares no Afeganistão, os operados aos olhos no Hospital de Santa-Maria, a tomada de posição de “intelectuais” e de católicos quanto às próximas eleições, etc, etc.
Mais uma ocasião se nos depara, quando um documento do Papa Bento XVI, praticamente não comentado entre nós, é, apesar de tudo, fonte de análises e estudo (cf. artigo de Frei Bento Domingues, in “Público” de domingo).
Por sinal, José Tolentino de Mendonça e eu próprio coincidimos no diálogo aberto com Henrique Raposo, o qual, na edição do “Expresso” de 18 de corrente mês, volta ao tema.

2. Suponho que, à semelhança de qualquer escrito, este deve ser escavado até às funduras. O centro desta obra é uma concepção do ser humano no seu tom ontológico, na sua finalidade de honra ao serviço do bem comum, na articulação com a cidadania do orbe e da família do mesmo ser, na concepção de uma sociedade onde a justiça impera e os seus deveres são respeitados por quem tem como perspectiva uma sociedade nova, fundada em princípios do direito.
Não há privilégios de minorias. Não se entregam o dever e a responsabilidade a sectores avançados, iluminados pela super – estrutura, e a ouvintes que só sabem escutar os sons da infra – estrutura. Estes elementos ideológicos não presidem à interpretação da pessoa; ao conceito da relação inequívoca entre cidadãos, como irmãos da “cidade” ou fiéis da “liturgia” pátria; à noção de desenvolvimento onde os excluídos e, por via disso, os oprimidos, funcionam como arautos deterministicamente reabilitadores de uma nova ordem, a caminho de uma sociedade imortal sem tensões; à nomenclatura da Globalização como instância teórica, enquanto a articulação social e a interdependência da “família universal” é porta-voz de uma mudança sadia, onde os bens e as conquistas sociais são o produto da “exploração” dos ricos sobre os que nada têm (antigos e novos pobres), sem que os diminuídos possam beneficiar de uma universalidade de valores e de perspectivas de alteração. Esta ideologia nunca se capta neste texto… Onde a luta contra “o conceito” e o imperialismo da praxis!?
Conforme salienta o Papa Bento XVI: “a Humanidade inteira aliena-se quando se entrega a projectos humanos, a ideologias e a falsas utopias. O desenvolvimento dos povos depende sobretudo do reconhecimento que são uma só família” (nº 53).
Uma plataforma ideológica abafa a iniciativa e a liberdade de pensar; afronta o pluralismo; oferece-nos os mecanismos dos opressores e dos escravos, sem voz; aponta para o fatalismo de um “oásis”, sem falta de água e dos demais bens. Inclusivamente onde não haverá sonhos.
Tudo alcançou o definitivo. Acham que Bento XVI opta pelo primarismo?
Ora os cuidados pela justiça e a atenção, em nome do direito e da solidariedade pelos pobres, não é um dogma da “frente comum” nem uma determinação fanática, onde os messianismos são um emblema dos Vencidos.
A verdade e a solidariedade são eixos essenciais de uma exigência social. Nas eleições de 27 de Setembro próximo seria bom que este texto e outros (até opostos), de índole social, fossem estudados e discutidos! Desconfio que a inteligência estará ausente.
São temas a ponderar por uma cidadania, sem imposições nem orientações proibidas de estudo e discussão. No seguimento deste documento, seria imprescindível uma tomada de posição sobre as exigências da paz e as tentações da violência. A corrupção merecia um “desmentido” ético enquanto máximo serviço à responsabilidade de todos nós. Mas nem tudo o que deve ser tematizado a propósito de assuntos de tão extremo relevo, tem de lá estar. Na Encíclica do Papa, que a discutir, não é pelo olhar citado e reclamado!


Lisboa, 24 de Julho de 2009

D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e de Segurança

Leitura semanal dos problemas do Mundo e da Igreja
http://castrense.ecclesia.pt

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