Colaboração... Aproveitamento... ou promiscuidade?
Contam-nos os Evangelhos Santos que um certo dia, em hora esquiva e no meio de uma praça, uns maldosos fariseus perguntaram ao bom Jesus se pagar impostos ao divino imperador estava certo ou era errado e que Ele, pedindo uma moeda e lendo a inscrição, lhes respondeu sem rodeios: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Esta resposta do Senhor sempre foi entendida como indicação de que o poder político e o poder religioso se não deviam misturar, sobrepor ou confundir. Apesar desta sapientíssima afirmação e desta notável e definitiva sentença, que sempre deviam ser respeitadas e postas em prática, houve tempos em que a Igreja influenciou abusivamente a Política do país, e épocas em que a Política se imiscuiu na Religião, inspeccionando-a, dominando-a, e controlando-a como se fosse coisa sua. Quem não recorda, entre muitas outras situações, o “beneplácito régio” inaugurado logo por D. Pedro I, a nomeação abusiva dos líderes religiosos feita pelos governos liberais de acordo com as suas cores e conveniências, a apropriação dos bens da Igreja pelos governos republicanos, e a subserviência da Igreja ao Governo durante o regime do Estado Novo, para não falar de outras situações? Acontecido o “25 de Abril”, desabrochados os cravos da liberdade e floridas as rosas da democracia, supostamente com maior independência para a Igreja, tem vindo o Estado e as Autarquias a comparticipar e a subsidiar algumas das suas obras, colaborando assim com quem serve o povo generosa e desinteressadamente, nada mais tendo ao seu dispor que as esmolas e as ofertas desse povo, sempre exíguas. Por seu lado, a Igreja, através das Misericórdias e das Paróquias, além de cuidar da pobreza, da velhice e da doença, poupando imensos custos ao Estado e servindo quiçá com mais amor, cede espaços aos autarcas quando os pedem e deles têm necessidade, e até disponibiliza os seus bons ofícios para levar ao povo as informações e os avisos que pelos mesmos autarcas lhe são solicitados. E bem. A colaboração, quando leal, sincera e desinteressada, de parte a parte, é para se louvar, admirar e bendizer. Infelizmente, porém, não é assim. Há situações que julgo impróprias, abusivas, inconvenientes, diria até escandalosas. A procura de dividendos políticos em cada apoio que se concede às igrejas, intuitivo e evidente algumas vezes, apesar de encapotado quase sempre, não é inocente, nem belo, nem digno, nem honesto. Não é a primeira vez que, em inaugurações de obras da Igreja, políticos de famílias opostas se põem até em bicos de pés para verem quem leva mais dividendos. Apenas a título de exemplo, e com a humildade de quem não é perfeito e também falha muitas vezes, tenho de dizer que não acho bem que seja um autarca a redigir o Programa de celebrações religiosas numa cidade ou numa vila e a assinar o Convite para as cerimónias que do programa fazem parte, ou que sejam Juntas de Freguesia a tomar a iniciativa de promover e realizar obras nas igrejas das paróquias, dirigindo-as, pagando-as e inaugurando-as. A Igreja, as suas Obras e as suas Celebrações não podem nem devem ser nunca trampolim para políticos ou lugar de campanhas eleitorais. Não reputo também correcto que os membros da Comissões Fabriqueiras das Igrejas sejam também os membros da Junta de Freguesia e que os espaços e instalações duma Paróquia se confundam com os da correspondente Autarquia. Tais promiscuidades, que não são assim tão raras, poderão funcionar mais ou menos bem por algum tempo, mas, mais cedo ou mais tarde, vão causar problemas de toda a ordem e, em alguns casos, já causaram. Penso que é urgente e necessário promover e defender a independência das instituições religiosas em relação ao poder político. Que os políticos nos ajudem a servir melhor o povo, é uma coisa bonita, que nós agradecemos. Mas que desejem ou procurem controlar-nos, aproveitar-se de nós e das nossas obras, ou politizar as nossas instituições, é coisa que repudiamos vivamente. Colaboração, sim. Promiscuidade, nunca. O Mestre tinha razão antes do tempo. "A César o que é de César…a Deus o que é de Deus"! Resende, 02.05. 2012 J. Correia Duarte
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