Jornal de Opinião

São muitos os textos enviados para a Agência Ecclesia com pedido de publicação. De diferentes personalidades e contextos sociais e eclesiais, o seu conteúdo é exclusivamente da responsabilidade dos seus autores. São esses textos que aqui se publicam, sem que afectem critérios editoriais da Agência Ecclesia. Trata-se de um espaço de divulgação da opinião assinada e assumida, contribuindo para o debate de ideias, que a internet possibilita.

29/03/12

Os (dez) Mandamentos de Jesus

Os Dez Mandamentos da Lei de Deus foram escritos em duas tábuas. Os Dez Mandamentos de Jesus não foram escritos em qualquer livro, mas estão inscritos em todos os corações.
Paul Johnson, conhecido historiador, extraiu-os da pregação do Mestre e compendiou-os numa obra recente. Vou procurar resumi-los parafraseando-os.

1. Aceita-te como és
Jesus ensinou-nos que, fazendo parte de uma comum humanidade, cada um de nós é dotado de uma personalidade única e irrepetível. Por isso, cada um tem direito a determinar a sua vida e a desenvolver uma vontade individual.

2. Aceita os outros como eles são
Jesus mostrou-nos que as opções não são excludentes, mas inclusivas. A aceitação de si mesmo não impede (antes pressupõe) a aceitação dos outros. Do mesmo modo, o amor a Deus implica o amor ao próximo. O amor está no mesmo patamar que a verdade: também é universal. É para todos. É para sempre.

3. Apesar de único, não és superior nem inferior aos outros. Para Deus, és igual a todos
Jesus sentiu-Se sempre incomodado com o carreirismo, com as disputas de lugares. O importante não é ficar à frente dos outros, mas dar o melhor pelos outros. É por isso que, em Jesus, Deus corrige as assimetrias humanas. Se alguma discriminação pratica, é apenas a discriminação positiva: traz as periferias para o centro e o centro para as periferias; faz com que os primeiros sejam últimos e com que os últimos sejam primeiros (cf. Mt 19, 30).

4. Todos os teus actos deverão serão guiados pelo amor
Jesus tinha o amor nos lábios e, sobretudo, continha o amor nos gestos. Trata-se de um amor totalizante, não fraccionado. Não é, pois, um amor egoísta, mas um amor que se doa. É um amor que envolve o espírito e também o corpo. É um amor que atende, que ouve, que reconcilia, que ajuda. No amor não há leis; há provas. Jesus deu-nos a prova suprema de amor.

5. Usarás de misericórdia e de bondade para com toda a gente
A misericórdia e a bondade dimanam do amor e vão além da lei. Elas conduzem à moderação, ao autodomínio, longe de todo e qualquer radicalismo ou pulsão para a vingança. Pela misericórdia e pela bondade, habituamo-nos a agradecer o bem e a não devolver o mal, mesmo a quem nos faz mal.

6. Serás sempre equilibrado nas tuas atitudes
Jesus era claro, mas nunca foi um extremista. Usando uma conhecida expressão de Manuel Antunes, podemos dizer que Ele desencadeou a «revolução da sensatização». Como anota Paul Jonhson, Jesus «era reservado, mas não era um eremita; era capaz de estar sozinho, mas também gostava de companhia; era comedido, mas também conseguia indignar-Se; sabia chorar, mas não desesperava; era objecto de troça, mas nunca troçou de ninguém; foi agredido e deu a outra face». Enfim, foi atacado até por causa da Sua moderação.

7. Terás sempre um espírito aberto
Jesus sinalizou a Sua abertura com a Sua vida e até com a Sua morte. O Seu coração foi aberto a toda a humanidade (cf. Jo 19, 34). O mundo evoluiu sempre que se abriu e regrediu todas as vezes que se fechou. Por isso, antes de voltar para o Pai, Jesus enviou os Seus discípulos «por todo o mundo» (Mt 28, 19). Não a uma parte do mundo, mas a todo o mundo.

8. Buscarás, permanentemente, a verdade
Jesus é o melhor guia na busca da verdade, «de uma verdade completa e total, pura e simples, despida de contornos sectários, limpa de paixões». Trata-se de uma verdade que não é conquistada, mas oferecida. Não a possuiremos nunca. Devemos deixar-nos possuir por ela. É a verdade de Deus e a verdade do mundo. Deus e o mundo não estão em oposição. Deus vem ao nosso encontro no mundo. É no mundo que vamos ao encontro de Deus.

9. Utilizarás o poder com moderação e respeitarás quem o não tem
A vida de Jesus «é um modelo de uso contido do poder e, por contraste, a Sua morte é um exemplo, catastrófico e cruel, de abuso do mesmo poder». A ressurreição significa «a vitória do impotente», que ressurge das profundidades da morte. Jesus não deixou um manual de política nem regras sobre o poder. O fundamental é que o seu exercício seja pautado pelo respeito pelos mais humildes e pobres.

10. Serás sempre corajoso
Cervantes dizia que perder os bens é perder muito, mas perder a coragem é perder tudo. Não espanta, por isso, que o grande legado de Jesus, documentado em palavras e amplamente certificado em obras, seja a coragem. É a coragem de «não apenas de resistir ao mal, mas também de o suportar». Jesus convida-nos à mansidão e à tolerância, mesmo diante da hostilidade e da perseguição. Exorta-nos a não fugir dos problemas e a manter a serenidade no meio da tempestade. Esta coragem «é hoje tão necessária como sempre foi e é tão rara como no tempo d'Ele».


João António Pinheiro Teixeira



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28/03/12

Conversa de grãos…

- Dizia um dos grãos de trigo para os outros em pleno inverno debaixo de uns centímetros de terra: vamos acabar podres aqui sob esta terra húmida e fria.
- Outro grão retorquia: tenho impressão que não. Se nos puseram aqui não é para acabar.

- Que ideia, foi mesmo para acabar. Não sentes a tua casca a desfazer-se e o miolo a inchar? E aqueles ali já estão apodrecidos, desfeitos, nem já dão por nós.
- Deixa lá, vais ver que não vai ser o nosso fim. Sinto cá por dentro uma vibraçãozinha como alguém a chamar-me baixinho!
- Estás mesmo a sonhar, ilusão; estás a delirar. Eu não sinto nada, só o frio e a terra húmida a esmagar-me. É uma tristeza acabar assim. Era tão boa a nossa vida, antes!
- Não estás a ver este grelinho a sair do meu interior por dentro da minha pele desfeita? Espera, espera… Já…
- O quê?
- Estou a subir de dentro do que estava podre. Vejo…
- Se não estou louco, parece que também está a acontecer comigo. Estou a mexer…qualquer coisa a subir… Será que é mesmo agora o nosso fim?
- Eu vejo uma luzinha por cima, sinto algo a roçar quentinho pela minha folhinha…Sinto-me mais vivo…a renascer. Está a ser mais bonito que antes e que há pouco. Olha, ali, outros grelinhos a aparecer, a subir… Já não estamos a apodrecer debaixo da terra. E aquela luz grande a olhar para nós! Ena, tanta luz! E tantos a acenar-nos para a festa. Hi! O que estamos a ver! Que bonito!
Funchal, Páscoa, (“Se o grão de trigo não morrer…”) 2012
Aires Gameiro

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Só 20% das famílias faz poupança

Quase noventa por cento da poupança das famílias portuguesas é feita por apenas vinte por cento dos agregados familiares. Esta conclusão é resultado de um estudo da Associação portuguesa de seguradores que chegou ainda à conclusão de que trinta por cento das famílias lusas apresentam uma poupança negativa, isto é, gastam mais do que aquilo que ganham.

Ainda, segundo o estudo citado, há três contributos que o Estado português deveria apresentar para ajudar a fomentar a poupança e, assim, revitalizar a economia nacional:
- o Estado deverá ele próprio poupar;
- todas as medidas de política económica devem ter em consideração o seu impacto sobre a poupança;
- a defesa da estabilidade e previsibilidade das políticas de promoção de poupança.

= Assumir-nos como povo... sem rumo
Depois de quase duas décadas (anos 80 e 90) de destempero nas coisas das finanças – pessoais, familiares, autárquicas, sociais, do Estado, dos governos e outras – eis chegado o momento de sermos mais autênticos e comedidos, seja nas aspirações, seja nos gastos e até nos projetos... atuais e futuros.
Somos, de fato, um povo de extremos: ora vivemos na penúria e na resignação, ora na ostentação e no esbanjamento. Parece que nos deixamos seduzir pela euforia, caindo, ao mais pequeno contra-tempo, na depressão (pessoal e coletiva)... confrangedora.
De alguma forma até parece que gostamos de quem nos iluda e (quase) abjuramos quem nos diga a verdade... mesmo que ela seja evidente. Veja-se a apreciação que se vai fazendo dos mais recentes governos da Nação: quem nos enganou até parece que já está perdoado por nos ter afundado na mais grave crise económica e social nos últimos quarenta anos! No entanto, quem nos chama à realidade parece tornar-se inimigo público – pelo menos para uns tantos perdedores no último ato eleitoral – surgindo certos paladinos da desgraça como mentores da revolução... usando ou instrumentalizando, inclusivé, armas e forças armadas. Quem representa esse tal ‘herói’ que tais impropérios patrocina? Será que alguém ainda o leva a sério nas suas diatribes revolucionárias? Se não é considerado doente – se for declarado sem responsabilidade no que diz, poderá ser inimputável – não deverá ser criminalizado pelos vitupérios que ostenta?
Efetivamente, temos de aprender a viver com o que temos, honrando as nossas dívidas e pagando a quem nos ajuda. Basta de caloteiros ingratos, altivos e anónimos!

= Educar (urgentemente) para a poupança
Reportando-nos ao estudo citado cremos que é chegada a hora de assumirmos uma nova atitude de vida: para além da austeridade imposta pelas circunstâncias, temos de optar por uma poupança assumida, consciente e ousada. Explicando:
- Poupança assumida – ninguém no-la impõe, somos nós que a aceitamos porque sabemos, conhecemos e vivemos segundo as nossas posses e não sob a imposição do consumismo explorador da nossa identidade pessoal e coletiva.
- Poupança consciente – antes de nos metermos em qualquer empreendimento fazemos bem as contas e não nos fiámos na benesses – muitas delas enganosas e encapotadas em publicidade falseadora – de quem nos empresta dinheiro para vivermos acima das nossas possibilidades.
- Poupança ousada – calculando os riscos não ficamos a invetivar quem possa ter melhores meios de vida do que nós, mas tentamos fazer algo de mais válido e até valioso, deixando – com se diz no espírito escutista – este mundo um pouco melhor do que o encontramos.
Terminamos com uma breve anedota (adaptada), que lemos há dias: À porta da empresa estamos dois operários. Um era alemão e o outro era português. O alemão, vendo passar o patrão num grande bmw, diz: ‘ainda hei-de ter um daqueles’. O português ripostou, vendo passar o seu patrão num mercedes: ‘anda sacana, que ainda hás-de andar a pé como eu’!
Numa palavra: é uma questão de mentalidade... e de cultura!


António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)




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23/03/12

Ao Compasso do Tempo – Crónica de 23 de Março de 2012

Muitos afastaram-se. Outros, morreram. Ficaram alguns ou talvez muitos… leigos e leigas que fui conhecendo! Hoje ainda tenho a alegria de os encontrar, perguntando-me um ou outro como é possível continuar a desejarmos a mudança!

Relendo a “Constituição Pastoral Igreja no mundo actual”, detenho-me no n.º 9:
“Entretanto, vai crescendo a convicção de que o género humano não só pode e deve aumentar cada vez mais o seu domínio sobre as coisas criadas, mas também lhe compete estabelecer uma ordem política, social e económica, que o sirva cada vez melhor e ajude indivíduos e grupos a afirmar e desenvolver a própria dignidade. Daqui vem a insistência com que muitos reivindicam aqueles bens de que, com uma consciência muito viva, se julgam privados por injustiças ou por desigual distribuição (…)
Esta intranquilidade vive-se em Portugal, interrogando-me eu como a consideram os Católicos.
Um mundo de pessoas vive atribulada por se sentir privada de valores e bens, a que tem direito; por outro, vigora na opinião pública a convicção de que a distribuição não respeita a equidade, a justeza, a verdade.
Como reeditar os princípios de Concílio, em ordem a mudar o mundo? Como remeditar hoje o desejo de grandes e inesperadas transformações, sem as pôr em prática no realismo de alterações político-sociais?
Sente-se em Portugal um grande frio, apesar da seca que grassa. Questões destas, por tão abundantes, perderam a actualidade. Ontem, os despertos para o mundo foram acoimados de heteredoxas pelo conservadorismo político (com o qual o acordo da maioria dos católicos era total).
Ao menos na década de sessenta, tempo do Concílio, houve divergências de leituras, em alto som. Hoje, vigoram no campo Católico, opiniões e diferenças. Mas tudo é vivido no silêncio e no pudor! Quando muito, emergem artigos e comentários sobre o Papa… ou questões, directa ou indirectamente, sobre “problemas fracturantes”.
Reviver os critérios do Evangelho é ser voz dos miseráveis e indignificados, dos escorraçados e tristes. Mas está tudo calado (há uma excepção recente: na Madeira, alguém da Igreja Católica, vem confirmar o já afirmado por mais que um sacerdote local: há pobres! Lá!).
E uma releitura de doutrina social da Igreja é luz da Constituição Pastoral Igreja no mundo actual? Não deverá ser este o tema de novo “Congresso da Nova Evangelização”. Se não… é uma seca…
Na década de sessenta, sobretudo com os organismos da Acção Católica, com relevo para alguns, fitava-se o mundo, ajuizava-se o mundo e vigoravam objectivos de transformação. Interpretar é já alterar.
Nas horas que passam, da sociedade emergem com preferência questões da família. E muito bem. Mas as linhas transversais do trabalho, da economia, da cultura, da política, atravessam-na e têm originado um profundo desconforto. E à excepção da Loc e da Joc, do Metanóia e de vários grupos informais, esta grande corrente de atenção às realidades de vida, escapa-se-nos. Em sua substituição sabemos o que há. E a insuficiência é flagrante. Serei pessimista? Reinam o desinteresse, a intoxicação do distanciamento, a insensibilidade diante dos fenómenos sociais. Nunca na Igreja se registou uma prioridade prática a favor dos espoliados. Não posso negar os trejeitos do bem fazer e as emoções das ajudas pontuais. Mas assumir um estudo do que ocorre de perverso, das causas dessas perturbações e dum projecto de reestruturação, é muito raro. Esta mentalidade era urgente criá-la. Mas se nem o jornal se lê e estuda…! Se, em matéria de “nova evangelização” tudo se afunila: devocionismos, diálogos na rua, à semelhança do das seitas, procissões… Não haverá no património pastoral da Igreja em Portugal estruturas ou acontecimentos, a revigorar?
O debate, o diálogo, o método activo na formação permanente, a escolha de pessoas outras, o estudo, o risco de entrar em ambientes sócio-culturais, a coragem da aplicação da doutrina social, etc, etc.
Só alguns discutem a cultura? Só certos se responsabilizam pela emigração, na ordem trágica do dia? Os problemas sócio-económicos ficam reduzidos só a “carolas”? A Comissão Justiça e Paz tem recebido o respeito e o interesse, que bem merece? Ficam à consideração estes apontamentos, inspirados por uma visão pastoral. Precisamos de iniciativas muito mais jovens!

Lisboa, 23 de Março de 2012
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança



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21/03/12

Timor: algo vai avançando…devagar

Em 4 anos algo mudou em Timor. É certo em que 15 dias não dá para observar tudo, mas como foram percorridos os mesmos caminhos e mais outros tantos novos sempre foi possível fazer algumas observações objetivas. Menos cenas de destruição, não se observam já campos de deslocados, mais casas de alvenaria feitas ou em construção em Dili, e menos noutras cidades. Há mais barcos na baía.

Em Hera uma grande central eléctrica construída por empresa chinesa, já a funciona; pelos cerca de 800kms de estradas e caminhos percorridos observa-se a instalação de linhas novas de alta, média e baixa tensão; melhoram as ligações telefónicas; encontram-se agora aqui e além escavadoras, pás mecânicas, camiões pesados para transporte de terras a abrir novos caminhos ou a remover terras de barreiras caídas.
Há restauração, limpeza e pintura de edifícios: a Catedral, a escadaria de Cristo-Rei, a Igreja de Motael… e Igrejas novas como a de S. Sebastião de Bidau, Becóra…
É mais fácil comunicar em português com mais gente, como aconteceu ao autor, apesar de muitas deficiências no ensino por falta de professores fluentes em lusofonia e por falta de livros em português. Em Dili as modestas livrarias visitadas não os têm.
Impressiona também ver por todo o Timor grupos de crianças com uniformes a percorrer impensáveis distâncias para chegarem a escolas agrupadas mas longe das suas casas. Muitas delas não levam mais que um pequeno caderno para escrever. A escola já será para todas as crianças? Possivelmente não.

Há também situações e deficiências semelhantes às de quatro anos antes. As péssimas condições das estradas e caminhos, por onde circulam as “angunas” mais ou menos abertas ou com toldo com passageiros em cacho humano, os autocarros e muitos outros transportes como jipes de caixa aberta, camiões com gente, motocicletas com duas e três pessoas… Todos vão fazendo piruetas para fugir de um buraco ou lodaçal para se meter noutro e fazer 80kms em 5 horas! Continuam as dificuldades de acesso à internet fora de Dili, a intermitência de água e luz, são frequentes; a falta de pontes em ribeiras de algumas estradas de longo curso obrigam a desistir ou a maiores distâncias.

Continuam os “biscatos” de sobrevivência de recolha e venda de molhos de lenha à beira da estrada, de montículos de pedra, de areia nas ribeiras, de cachos de bananas e bancadas de venda direta de produtos de cultivo próprio a preços tão baixos que chocam o europeu. Em zonas à beira mar e à beira do lagoa Ira Lalaro o recurso à pesca artesanal permite levar peixe para casa ou vendê-lo pelos caminhos adjacentes em enfiadas de dúzias penduradas no pau à frente e atrás.

Quase um folclore cultural são as cenas de manadas de búfalos a “lavrar” os terrenos inundados para a plantação de arroz, andando de cá para lá ao toque da vara do pastor. Pelos caminhos e ruas de cidades continuam à solta os cães, galinhas, porcos, cabras que se atravessam continuamente à frente dos carros; e mais para as encostas por toda a parte pastam búfalos e cavalos de raça timorense. As pessoas percorrem como se fosse uma distração longas distâncias de três e mais horas para irem vender ou comprar algum artigo aos mercados, muitas vezes o “vinho” ou aguardente artezanal. Os sukos ou aldeias com frequência tem apenas um quiosque onde vendem utilidades, quase sempre de fabrico chinês ou indonésio. Um bicho ameaça Timor: a corrupção de que se fala bastante.

Timor, Fevereiro 2012
Aires Gameiro







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17/03/12

Ao Compasso do Tempo – Crónica de 16 de Março de 2012

Por onde andam leigos e leigas que, na altura e no pós Vaticano II, foram arautos da esperança e da liberdade e de uma nova visão do mundo e da Igreja?

Tantos e tantas foram tema de marginalização e de má vontade por parte de hierarquia. Tantos e tantas marcharam em direcção à Casa do Pai dos Céus (lendo há dia um protesto de alguns, porque o Administrador Apostólico do Porto, à época, lhes interditou uma “reflexão comunitária de teologia para leigos”, a realizar no Convento de Cristo-Rei dos Padres Dominicanos, no Porto, em 1966, lá me deparei com os Carlos Castro Fernandes (médico), Mário Figueirinhas (editor), Joaquim Pinto Machado (assistente da Faculdade de Medicina do Porto), Joaquim Macedo (engenheiro), Francisco Lumbrales de Sá Carneiro (advogado), etc, etc, etc). Nessa década foram bem vivas pessoas que emergiram da Acção Católica e de outros sectores eclesiais, sendo menos activos os membros de movimentos novos, onde a carisma das coisas do mundo não eram muito do seu particular gosto.
A avaliação da atitude de Católicos (as) deste período funda-se, na maioria das vezes, no carácter “político” das suas posições. Como seria possível, em nome do Evangelho, ficar mudo ou reticente diante das magnas questões da “polis”! Quando se preconizava a independência entre a Igreja e o Estado, num tempo em que se adensaram as fidelidades dos bispos, dos padres e leigos ao poder constituído; quando se clamava por um pluralismo de opções no tocante à liberdade cívica e se propunha o respeito pela liberdade religiosa; quando nascia a posição discordante (Pragma, Tempo e o Modo, organismos da Acção Católica, virados para o mundo de trabalho, etc, etc) diante de leis e de orientações iníquas da autoridade civil em comparação com o ar sossegado de maioria dos baptizados; quando a guerra em África levantava problemas de consciência moral, sendo esta identificada com comportamento altamente subversivo; quando as confissões religiosas reclamavam direitos de cidadania versus a autoridade monolítica do mundo católico; quando, na mesma Igreja Católica, bispos anunciam perspectivas totalmente diferenciadas no referente à soberania vigente… poder-se-ia concluir que a leitura do mundo oferecia colisões e mal estar, indiferença ou silêncio, distanciamento ou enfado. Incoerentemente, os mesmos bispos que se pronunciaram na década de 50 sobre a “moralidade” ou “imoralidade” dos fatos de banho das senhoras mostraram-se incapazes de assumir a doutrina social do justo salário, do direito à greve, da capacidade de reunião ou de associação, da luta pela paz e do diálogo entre escolas ideológicas diferentes. Muitos padres e muitos leigos foram maltratados. Alguns ainda hoje são suspeitos. Saíram outros, pé ante pé… Outros, fragorosamente. Muitos outros limitaram-se a deixar-se escorregar no tédio. A “ovelha perdida” só e esquecida, não teve o cuidado do pastor vigilante.
Face a directrizes, uma Igreja que, nas sua hierarquia e laicado, se amedronta com a capacidade crítica e a discordância sadia, ao lado do receio perante um situacionismo em revisão (no mundo universitário, nos costumes sociais, na liberdade de imprensa, na urgência de uma democracia nascente), é uma marca dessa duração estreita da História.
É bem compreensível que os Padres Conciliares na sua Mensagem ao mundo (21 de Outubro de 1962), tenham salientado dois pontos da mensagem radiofónica do Papa João XXIII em 11 de Setembro desse mesmo ano: primeiro, o problema da paz entre os povos (“nós afirmamos a unidade fraterna dos homens, por cima das fronteiras e da civilizações); além deste, o Santo Padre relembra as exigências da Justiça Social.
Falar nessa altura de injustiças e justiça social, era ser intérprete de uma acção política. Evocar a comunhão solidária dos povos era revolver um dicionário de sociologia ou de meros interesses cívicos. “Sujar as mãos” não é muito da preferência de higienistas. Foi assim há cinquenta anos! Não avançamos muito. Os problemas temporais, ainda hoje, são demasiadamente profanos para serem pertença dos nossos devocionismos… (A Igreja em tempo de Concílio, Lisboa, Livraria Morais Editora, 1964, ps. 19-20). Mas na “Pacem in terris”, a enumeração por João XXIII de sinais de uma civilização foi a adopção pela Igreja de um código de conduta e de esperança, nascidos dos horizontes da secularidade e até da secularização. A autonomia e a liberdade da mulher, o repúdio do colonialismo, o culto dos direitos do ser humano (de associação, de emigração e imigração, da participação política, da escolha do próprio estado, etc.), a defesa da democracia… foram sinais de “ressurreição pascal”. Uma Igreja com mundo abre o mundo à Igreja!


Lisboa, 16 de Março de 2012
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança



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16/03/12

7 Tailândia dos 30.000 templos, meio milhão de monges e turismo

Foi uma bênção ser hóspede dos Padres Camilianos no Hospital de S. Camilo em Banguecoque. O Padre João Contarin há 26 anos na Tailândia foi um guia precioso já desde antes de sair de Portugal.

As informações foram preciosas. “Aqui o transporte é o taxi-meter e não outro qualquer. É barato e os táxis ilegais enganam e os triciclos são perigosos para estrangeiros. Muitos acabam roubados e abandonados”. Havia por vários locais avisos em inglês da polícia e de particulares a aconselhar não usar os Tuc-Tuc (três rodas).Os preços dos táxis andam por 1/6 dos de cá. De táxi se visitam templos e igrejas. Para segurança ostentam à vista a foto, o nome e o número do taxista e aviso para se tomar nota deles
Haverá 30.000 templos budistas na Tailândia, e mais de meio milhão de monges mas muitos ora são ora deixam de ser… Na Conferência sobre o álcool havia dezenas deles em lugares reservados a quem era devida reverência. Tirar os sapatos para visitar templos e palácios acaba por ser aborrecido; contudo foi obrigatório visitar o Palácio Real, o seu Templo da Esmeralda, os templos Wat Pho e Wat Arun, e mais alguns principalmente nas ruínas da antiga capital, Ayuthayá.
Torna-se uma curiosidade visitar o Bairro Chinês em que as ruas, com emaranhadas de milhentos cabos eléctricos e telefónicos por cima da cabeça, servem para oficinas de peças de automóveis usados, lojas, lugares de dormir e restaurantes num dos quais na margem do rio o almoço ficou por dois dólares. Do barco para a Igreja de Santa Cruz do outro lado do rio, fotografou-se de fugida o belo jardim de bandeira hasteada da embaixada de Portugal ali perto, que alma “zelosa” impediu de ver pela entrada.
A visita guiada em grupo à antiga capital Ayuthayá, onde fica a “Aldeia Portuguesa” causou alguma frustração pela incompetência do guia que além de falar mal inglês se interessava mais por levar o grupo a compras e cavalgadas de elefantes que cumprir a sua função, e mostrar o museu da “Aldeia Portuguesa” por não estar no circuito. Visitaram-se grandiosas ruínas da cidade acabadas de sair das inundações e várias stupas e templos antigos: Ubosot, Chedi Chaya Mongkhol, Phra Monkhon Bophit e outros com nomes complicados…. No parque do palácio Bang Pa-In nos arredores fomos convidados a subir a uma torre algo semelhante a um farol em estilo português.
Nem só templos budistas. O Padre Contarin ofereceu uma ida a Sam Pram, 50 kms a oeste, ao chamado Vaticano de Banguecoque pelas dezenas de casas religiosas e pela universidade, para na Igreja da Ascensão assistir a festa de profissão de três camilianos do Vietnam. Pelo caminho falou-se da ausência de grafitti e de publicidade com mulheres desnudadas e do turismo sexual na Tailândia (40%?) apesar de tanto budismo. Um italiano foi falando de culinária cultural em Banguecoque e de como criou um curso universitário de cozinha italiana para “chefs” com tudo em italiano: língua, produtos e prática em restaurantes italianos. Com centenas deles este curso universitário faz sentido e deixou a ideia se não faria também sentido algum curso semelhante de culinária cultural portuguesa nalguma capital do mundo. Os bolos da Igreja de Santa Cruz do século XVII e o piripiri que os portugueses levaram do Brasil para a Tailândia não poderiam faltar.
Banguecoque, Fev. 2012
Aires Gameiro





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Carta-aberta a quem se afastou da Igreja... católica

A quem quer tu que sejas, aceita que, nesta proximidade à celebração anual da Páscoa, te possa apresentar algumas das razões para que possas voltar ao seio da Igreja tua Mãe (e não mera madrasta), sem lições nem reprimendas... mas com esperança e espírito de caridade.

- Cristo sim, Igreja não!
Muitas vezes e de variadas formas escutamos esta frase: nalguns casos de formas clara, noutros de modo implícito... por muitas pessoas que, não tendo prática religiosa habitual – serão talvez ‘católicos intermitentes’ – terão, no entanto, algum conhecimento e/ou vivência mais ou menos cristã... de circunstância.
A estes gostaríamos de desafiar a saírem dos seus preconceitos – mais ou menos fundados ou (in)conscientes – para fazerem parte do caminho de fé com os outros... que hão-de descobrir como irmãos/irmãs em Cristo.

- Não me interessa misturar-me com essa gente!
Numa espécie de desdém há quem considere, por vezes, que os que andam pela igreja não são melhores do que os nem lá vão. Para isso apontam certos defeitos – nalguns casos com razão, noutras situações como desculpa – aos (ditos) praticantes, numa espécie cruzada de exigência de (quase) santidade.
Por muitas e sinceras razões que possais ter, talvez vos seja melhor sair desse conforto crítico e misturar-vos com os demais, apreciando também as qualidades, os dons e os carismas... deles e delas, pois ninguém tem tanto de bom que não possa aprender nada nem terá tanto de mau que não possa partilhar alguma coisa. Afinal, somos uma santa Igreja de pecadores!

- Eu cá tenho a minha fé!
Outra frase bastante habitual é esta que reduz a fé a uma expressão individual, talvez egoísta e, por vezes, meramente intimista. Numa tentativa de compreendermos quem assim se exprime, parece-nos que lhe faltará um mínimo de dimensão comunitária e/ou social... Ora, se tivermos em conta, que o ser cristão tem por essência a vivência comunitária da fé em Jesus Cristo, assumida de forma pessoal e com implicações com os outros membros da Igreja, seja qual o âmbito da sua expressão: de grupo, em paróquia, como diocese e em dimensão universal (católica), diremos que uma tal fé individual está condenada ao fracasso.
A quem possa viver como se a sua fé fosse individual deixamos um pequeno exemplo: que diríamos de alguém, que diz gostar, por exemplo, de futebol, mas só vai ver o jogo – se ele pudesse existir! – sózinho, sem ninguém no estádio... e, assim, alimentaria a sua mística e do seu clube! Talvez se possa considerar um tanto ridículo um comportamento deste jeito. E na fé não será idêntica a classificação?
Por isso, se tens a tua fé não a podes viver nem alimentar sozinho e, muito menos, sem os outros ou à sua rebelia! Tenta ultrapassar as feridas que te fizeram e vem ajudar a construir a Igreja... sinceramente!

- São todos iguais, andam todos ao mesmo!
Numa avaliação (ou talvez seja juízo!) dos outros há quem considere que, os que andam na e pela igreja, querem é protagonismo e isso será como que uma forma de aparecer e de achar-se importante... sobretudo na terras mais pequenas, seja em dimensão física e de território, seja até na mentalidade.
É possível – muito mais do que seria desejável – que se possam verificar tais pretensões, entre os participantes nas coisas da Igreja. Isso pode ser resultado da falta de um processo evangelizador coerente e consequente, mas, se tal existir, todos se sentirão irmãos e, por isso, servidores dos outros e não em busca dos seus interesses.
A ti, que sentes tais melindres e tens uma leitura exigente para com os outros, deixo-te um convite: vem participar com os teus dons e qualidades, ajudando a purificar as intenções dos outros e também as tuas pelo compromisso com a Verdade. Tenta colocar o dom da exigência ao serviço da caridade e todos poderemos viver mais em conformidade com o Evangelho de Jesus, que espero que conheças, leias e medites... neste caminho para a Páscoa... cristã e não meramente sociológica.
Sem lições quisemos deixar breves sugestões para quantos/as que possam ter deixado – por estas ou outras ‘razões’ – de participar na Igreja – comunidade e templo – na expetativa de que, nesta Páscoa, possamos celebrar Jesus Ressuscitado em maior comunhão e paz.

Notas
- Neste texto referimos situações reais com pessoas fitícias e pessoas reais em casos fitícios;
- Na proximidade à celebração da Páscoa voltaremos a abordar outras perspetivas – acusatórias e não só! – de quem se possa ter afastado da Igreja...

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)


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12/03/12

Para ti, Pai

Para ti, Pai:
Que labutas nesta sociedade de incerteza, de egoísmo e de superficialidade. Que procuras no dia-a-dia das corridas contra o tempo e dos sacrifícios manter a dignidade de quem não cruza os braços e abraça a sua missão. Que pela tua generosidade e abnegação és sinal de amor e de dedicação para os teus filhos.

Para ti, Pai:
Que tens a juventude na mão, que caminhas contra a corrente e que sentes uma grande indefinição… Que não tens medo de assumir com convicção a grandeza e a beleza da entrega como marido e pai. Que decides abraçar com o coração a vida, a família e a vocação. Sabendo que nem sempre surgirão as conquistas, os ganhos e as alegrias.

Para ti, Pai:
Que possuís um coração descontente com o lugar e o tempo, porque procuras a verdade, a entrega, a solidariedade. Que optas pela firmeza e pela educação dos teus filhos, embora isso traga grandes dissabores, tristezas e temores…

Para ti, Pai:
Que és filho e sabes perdoar e amar. Que aceitas conselhos, sabes ouvir e conversar… Que fazes uma aprendizagem da vida e sabes educar. Que acreditas que há algo superior…e valorizas a dimensão espiritual.

Para ti, Pai:
Que sofres os problemas gerados pela falta de emprego ou de um filho doente, e por isso sentes que o caminho é árduo e quase sem saída, devido a tanta dificuldade. E que apesar de tudo, te lembras que ainda há tempo para a esperança, para a partilha e para a solidariedade. Que a vida ainda se reveste de alegria e que o amor é o sinal maior da descoberta da vida e de quem quer ser melhor.

Para ti, Pai:
Que és velhinho, doente, sozinho, abandonado e não amado, só porque alguém se esqueceu de quem tanto lutou e por ele se entregou, sofreu e amou…! Que mesmo assim, ainda valorizas a luz e as cores, o mar e o sol, e que pela tua experiência e sabedoria, ainda encontras na vida algo de belo… para além de toda esta indiferença, solidão e ingratidão.

Para ti, Pai:
Que viveste e semeaste com amor. Que foste transmissor de valores, imprimindo na tua família as tuas marcas e a saudade… e que já estás junto do PAI…
Um enorme e eterno Obrigado!

Equipa da Pastoral Familiar Arciprestal de V. N. Famalicão




Ter um Pai! É ter na vida
Uma luz por entre escolhos;
É ter dois olhos no mundo
Que vêem pelos nossos olhos!

Ter um Pai! Um coração
Que apenas amor encerra,
É ver Deus, no mundo vil,
É ter os céus cá na terra!

Ter um Pai! Nunca se perde
Aquela santa afeição,
Sempre a mesma, quer o filho
Seja um santo ou um ladrão;

Talvez maior, sendo infame
O filho que é desprezado
Pelo mundo; pois um Pai
Perdoa ao mais desgraçado!

Ter um Pai! Um santo orgulho
Ter um Pai! Um santo orgulho

Pró coração que lhe quer
Um orgulho que não cabe
Num coração de mulher!

Embora ele seja imenso
Vogando pelo ideal,
O coração que me deste
Ó Pai bondoso é leal!

Ter um Pai! Doce poema
Dum sonho bendito e santo
Nestas letras pequeninas,
Astros dum céu todo encanto!

Ter um Pai! Os órfãozinhos
Não conhecem este amor!
Por mo fazer conhecer,
Bendito seja o Senhor!”

Florbela Espanca



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10/03/12

A influência dos outros no nosso modo de pensar

«Aprender uns valores morais? Para quê? Não quero que me imponham o que acham que está bem ou mal. Não desejo ser dominado nem manipulado por ninguém. Na minha opinião, cada um de nós deve escolher livremente os seus próprios valores. Não aceito as pessoas que se armam em sabichões e que tentam impor aos outros o seu modo de ver a vida. Prezo muito a minha independência para me deixar influenciar por quem quer que seja».

São palavras de um jovem dos nossos dias. Manifestam uma mentalidade muito difundida na cultura actual: pensar que qualquer influência dos outros no nosso modo de pensar debilita a nossa personalidade. Por isso, entre outros motivos, a formação moral é vista com receio. Parece um modo de nos roubarem a liberdade e a independência. Ora, esta mentalidade é profundamente simplista e superficial ― e é muito pouco séria.
Toda a nossa existência está influenciada directamente por aqueles com quem convivemos. Basta considerar o nosso crescimento desde que nascemos. Viemos ao mundo como o mais dependente dos seres vivos. Éramos incapazes de quase tudo durante vários anos ― e não sabíamos nada. Tivemos que aprender todas as coisas, começando pelas mais simples. Fomos influenciados directamente por aqueles que estavam ao nosso lado.
O nosso desenvolvimento corporal não se teria efectuado sem a alimentação que outros nos proporcionaram. Algo similar aconteceu com a nossa inteligência. Não teríamos conseguido progredir na vida intelectual e moral se não tivéssemos sido ajudados pelos nossos pais, professores e amigos. Muita da experiência acumulada pelas gerações passadas foi-nos transmitida com toda a naturalidade. E nessa altura, nem nos dávamos conta de como toda essa “informação” influenciaria o nosso modo de pensar e, consequentemente, de viver.
Infelizmente, existem alguns exemplos na História da Humanidade de crianças “educadas” directamente pelos animais. Penso que nenhum de nós inveja tal “educação” por estar isenta de influências e de imposições de “valores acumulados”. O mito do bom selvagem é isso mesmo: um mito. O Tarzan só existe no cinema ― não na vida real.
A pretensão de pensarmos de um modo totalmente independente procede do esquecimento ingénuo das nossas limitações como seres humanos. E convém recordar que não é por esquecermos as nossas limitações que elas desaparecem. É um triste erro considerar que o modo como pensamos deve ser alheio a toda a influência ou colaboração dos outros. É verdade que podem existir influências negativas. Mas é um reducionismo pensar que todas as influências o são. E é, muitas vezes, uma injustiça atribuí-las às pessoas em quem dizemos confiar.
Resumindo: receber dos outros ― pessoas que merecem a nossa confiança ― uma boa formação não pode ser identificado de modo algum com ser dominado ou manipulado por eles. Muito pelo contrário. A verdadeira formação, na qual se incluem os valores morais, torna-nos mais livres e menos manipuláveis. Aprendemos, com a ajuda de outros, a pensar com a nossa própria cabeça, e não a partir de “slogans” superficiais que estão muito difundidos.
Pe. Rodrigo Lynce de Faria



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Longevidade: condições e consequências

Iniciamos a escrever este texto no dia em que D. Eurico Nogueira – arcebispo emérito de Braga – completa oitenta e nove anos de vida. Nesta ocasião vem-nos à memória outras grandes figuras da (nossa) vida pública que também atingiram uma razoável longevidade...

Mesmo que de forma breve como que podemos interrogar-nos sobre o crescente melhoramento da qualidade de vida, sobretudo, se tivermos em conta os longos anos de existência... e a notória velhice – com equilíbrio mental e emocional, com alguma autonomia e sentido de gratidão – de muitos dos intervenientes.
Quais os fatores para a longevidade de alguns e a precoce partida de outros... mesmo da própria família? O que é que marca a diferença entre uns e outros, ontem como hoje? Haverá condições endógenas e exógenas para esta distinção? Como tratar condignamente quem viveu agruras na vida e vingou na idade? Como serão os filhos e netos de amanhã, quando agora veem os pais a abandonarem – física, psicológica e até espiritualmente – os seus progenitores? Poderemos esperar idêntica longevidade com tantas preocupações sobre o presente e, sobretudo, o futuro?
= Diagnóstico... angustiado
Esteve, recentemente, em Portugal, um professor catedrático inglês da área da saúde pública, que, dirigindo-se a profissionais da saúde, teceu algumas considerações sobre a diferença de longevidade entre certos países, dentro do próprio país e até na mesma cidade, apontando algumas das causas e perspetivando umas tantas razões. Citamos:
- A esperança média de vida de uma mulher no Zimbabwe é de 42 anos e a de uma japonesa é de 80 anos, uma diferença de 42 anos; um queniano morre em média aos 47 anos e um sueco pode chegar aos 82;
- Na cidade de Londres a diferença entre o mais rico e o mais pobre dos habitantes é de 17 anos;
- O aumento em 1% da taxa de desemprego faz subir em 0,8% a taxa de suicídios e 0,8% a de homicídios...
- O desemprego leva ao suicídio e a matar outras pessoas;
- As mortes por acidentes de viação descem 1,4%, circula-se menos porque há menos dinheiro para a gasolina;
- As maiores taxas de fumadores encontram-se entre os mais pobres e esta é uma causa objectiva que está na origem de maior doença, o cancro do pulmão.
Este mesmo especialista sugere caminhos ou áreas principais que podem e devem ser objecto de acção política tendentes a esbater estas diferenças: o desenvolvimento infantil, a educação e formação ao longo da vida, as condições de emprego, o rendimento, a existência de locais saudáveis e sustentáveis na comunidade e o combate a factores como o tabagismo, o consumo de álcool, a obesidade...

= Situação dos mais velhos... ao nível nacional
Entretanto, segundo dados da Guarda nacional republicana, há vinte e um mil velhos a viver sozinhos ou isolados, em Portugal. Estes dados foram recolhidos pela ‘operação censos senior’, que decorreu, no âmbito daquela guarda até final do mês de Fevereiro terminado.
Do ano passado para este ano aumentaram os casos de velhos isolados ou sozinhos em mais de sete mil situações. Os distritos onde se verificaram mais casos foram: Bragança (2.442), Santarém (2.131), Évora (2.037), Guarda (1.912), Castelo Branco (1.810) e Viseu (1.897)... portanto, localidades do interior e em acentuada desertificação humana.
Embora possamos estar diante de muitas pessoas com grande longevidade, vemo-las confrontadas com um razoável abandono familiar, social, político e (talvez) religioso. Cresce, deste modo, a necessidade em refletir sobre o futuro que estamos a dar aos nossos mais velhos... que amanhã seremos, razoavelmente, nós.

= Prognóstico... reservado
Se o diagnóstico era angustiado, o prognóstico é muito reservado da saúde psicológica deste país e, talvez seja sem nos darmos conta, se apresente com um futuro muito sombrio... na contagem dos dias que passam.
- Nem as tentativas de serem criadas condições para que os velhos vivam em lares – nalguns casos serão quase um eufemismo para o conceito dos asilos de outrora! – confortáveis e com as condições mínimas de sobrevivência... podem aligeirar as famílias a sua responsabilidade para com os seus ascendentes nem eximi-las das regras mais básicas da gratidão.
- Num tempo em que a longevidade – pelos mais elementares cuidados para com os ‘nossos’ velhos – vai ganhando foro de cidadania e por consequência de novas regras de vida, urge acompanhar esta nova etapa da evolução da sociedade com critérios onde a pessoa toda seja tida em conta e não só a dimensão físico-biológica, mas também as vertentes de índole psicológico, moral e espiritual.
- Torna-se fundamental dar aos mais velhos – pois também nós, se Deus quiser, para lá iremos – uma envolvência divina com gestos, palavras e sinais, que traduzam Deus presente, aconchegando-os e acolhendo-os não na mortalha fúnebre, mas na ternura do Pai por Jesus Jesus Cristo no Espírito Santo.

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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Ao Compasso do Tempo – Crónica de 19 de Março de 2012

No diálogo com a Sociedade, a Igreja é um elemento. O outro, nasce desse mundo, do qual os batizados não devem fugir.

Na celebração dos cinquenta anos do Concílio Vaticano II, (estudado este acontecimento em muitas dioceses do país) vem-me á consciência uma pergunta de um jovem, há algum tempo expressa: mas onde estão leigos e leigas de há cinquenta anos? Por onde pairam? Por que não permaneceram no silêncio/barulho da comunidade eclesial? Se são, tantos deles, figuras marcantes da cultura, da política, da administração, do progresso social, da sensibilidade humanizadora… por que se distanciaram? Ficaram dececionados, desconsolados, traídos, pela menos fraternidade, pelas infidelidades à arte de pensar, pela intolerância, pelo azedo beato que enxameia instituições viradas para si e de costas para as grandes questões da vida, pelos escândalos e pela incoerência e desequilíbrios de toda a ordem…? Por que razão mudaram da ares? A culpa não será toda da comunidade que enjeitaram. Os exilados transportaram também pó na sola dos sapatos. Mas por que não falarmos disto e de tantos incidentes, em lugar de cada um, de alguns, de todos, se situarem em trincheiras, sem vontade de descobrirem a face e encararem o outro, de quem se diziam gémeos? Não acontecem destes conflitos e destas sensibilidades feridas em todas ou em quase todas as famílias?
As pessoas não se cumprimentam. Mudam de passeio, para não se reencontrarem. Guardam na memória tristezas e ressentimentos. Alimentam cicatrizes de traição. Transportam as más horas. Os maiores desencantos são frutos dos maiores amigos e mestres de outras eras. Já não são as ideias que dividem. São a insensatez, o contraditório de conveniências, a forma de refletir sem convicção, os novos amigos, os novos salões, os novos clubes, as novas importâncias de dinheiro e distinções sociais, os amores trocados, a despersonalização… E tantos e tantos outros ingredientes do mundo! Vive-se como se nada se passasse à nossa porta. Os lugares de vulto e exibição estão repletos.
A mediocridade enche o palco e alimenta a publicidade de idêntico jaez. E, em mistura social, lá perpassam os heróis, os santos, os profetas, os inconformistas, os indispostos com “a desordem estabelecida”…
Por que não falamos entre nós? Por que catalogamos quem nos parece ser de clube diferente? Por que não nos expomos a ventos e marés, sufocando o mau feitio e o azedume habitual? E tantas interrogações a formular! E tudo isto a propósito de uma Igreja que deve dialogar com o mundo! Só que os problemas graves aí estão com expressões da maior tragédia. Mas tocar nessas questões, nunca.
Por esses e outros problemas, tantos e tantos deixaram a Igreja sozinha a falar consigo.
Por onde andarão esses profetas e irmãos?
Daí a pergunta a Júlia Kristeva; citando Arendt: “O que significa para nós, europeus, hoje, encarar a crise duma forma não preconceituosa?” (Passos, Fevereiro 2012, p.25).
Ou a afirmação: se os cristãos mudassem de atitude, não haveria pobreza em Portugal (Professora Isabel Allegro Magalhães, Público, 29 de Fevereiro de 2012, p.9)

MDN, Capelania Mor, 09 de Março de 2012
D. Januário Torgal Mendes Ferreira
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança



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06/03/12

Nas tuas mãos, Senhor, coloco as minhas...

Nas Tuas mãos, Senhor, coloco as minhas,
Junto de Ti repousa o meu ser.
À tua vida entrego a minha vida.
À Tua vontade eu uno o meu querer...
Nas Tuas mãos, Jesus, coloco as minhas,
Venho para Te contemplar
Preciso de Te conhecer, em silêncio, Te amar!
É ao ritmo deste cântico que iniciamos esta nossa partilha/reflexão em época de caminhada de Quaresma. Numa tentativa de interpretarmos a linguagem das mãos e o modo como ela se exprime, sobretudo, na paixão de Cristo pela via-sacra.

De fato, nós falamos com mãos e as mãos falam daquilo que nós somos, isto é, a nossa forma de expressão oral é complementada com a expressão gestual. Mesmo de forma sucinta vamos tentar resumir algumas das formas de linguagem gestual e a sua possível interpretação antropológico/teológica.
«A mão simboliza uma acção ou uma obra e encerra a magia do coração; por isso transmite os seus sentimentos. As mãos amam, falam (por gestos) e acariciam, tocam e deixam-se tocar; as mãos tranquilizam e agridem, desejam e repelem; comunicam amor e agressão, serviço e domínio sobre o outro. Por isso a nossa língua [o português] é rica em expressões acerca da mão.
No que se refere a Deus, a mão direita simboliza a protecção, o poder criador e providente, que liberta o seu povoe o acompanha pelo deserto, castigando os inimigos com a mão esquerda para o proteger. As mãos impostas sobre alguém transmitem poder ou o Espírito Santo. As mãos levantadas são símbolo de um coração suplicante que sobe até Deus. No mundo, Jesus tornou-se a mão de Deus Pai estendida a todos os pequeninos e pecadores. Com a sua mão Ele acaricia as crianças, consola os tristes, acolhe e cura os doentes, perdoa os pecadores… Apesar disso, as suas mãos foram violentamente pregadas numa cruz, como se fossem de um ladrão e assassino» (1).
É diante desta riqueza de linguagem das mãos, que nós nos queremos enfrentar, tentando caracterizar essa vivência, sobretudo, no contexto da Via-sacra... deste ano de 2012, intitulada: ‘Via sacra nas mãos de Deus pelas mãos dos homens’ e que foi publicada pela Paulinas Editora.

= Linguagem das mãos... em contexto bíblico
Eis uma breve tipificação da linguagem das mãos, partindo de expressões da Bíblia:
- Apertar a mão é fazer um acordo;
- Dar a mão à palmatória é reconhecer a culpa;
- De mão beijada significa receber de graça;
- Deitar a mão é apoderar-se;
- Estar em boas mãos significa estar na posse de pessoa capaz;
- Estender a mão é símbolo de ameaça;
- Levantar a mão (sobretudo a direita) significa jurar;
- Mãos abertas revelam generosidade;
- Mão forte manifesta assistência a alguém;
- Mão-de-obra significa trabalho;
- Mãos limpas manifesta ser honrado;
- Cair nas mãos de… é ficar em seu poder;
- Lavar as mãos diante de alguém é símbolo de inocência;
- Pela mão significa através ou por meio de alguém.

= Simbologia das mãos na Via-sacra
De entre os vários intervenientes na caminhada da Via-sacra – segundo a sugestão do Papa João Paulo II – deixamos um pequeno esboço da linguagem das mãos... numa tentativa, sempre necessária e útil, de actualização:
1. Jesus em agonia no Jardim das Oliveiras - uma mão aberta em súplica
2. Jesus, traído por Judas, é preso - mãos presas
3. Jesus é condenado pelo sinédrio - mãos caídas... em juízo
4. Jesus é renegado, três vezes, por Pedro - mãos (punhos) fechados
5. Jesus é julgado por Pilatos - dedo de uma mão... acusando
6. Jesus é flagelado e coroado de espinhos - duas mãos com coroa de espinhos
7. Jesus é carregado com a cruz - mãos em gestos agressivos
8. Jesus é ajudado pelo Cireneu a levar a cruz - mãos a levantar... alguém
9. Jesus encontra as mulheres de Jerusalém - mãos estendidas... a ajudar
10. Jesus é crucificado - mãos abertas... em aceitação
11. Jesus promete o seu reino ao «ladrão arrependido» - mãos apontando a saída
12. Jesus na cruz: a mãe e o discípulo - mãos de duas pessoas... em ajuda
13. Jesus morre na cruz - mãos desfalecidas... em derrota
14. Jesus é colocado no sepulcro - mãos entrelaçadas... de medo e morte
Final – mãos levantadas... em louvor...rumo à Ressurreição!
Porque cada um de nós faz parte deste percurso de via-sacra, cremos que é preciso participar neste diálogo entre Jesus e cada um de nós e uns com os outros…

1. Cfr. Herculano Alves, Símbolos na Bíblia, Lisboa, Difusora Bíblica, 2001, p. 205.

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)



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05/03/12

S. João de Deus: um empreendedor para tempos de crise

Estamos em tempos de crise, rodeados de necessitados. Vai ser uma desgraça, clamam alguns, vai adoecer e morrer mais gente. Investigações de “The Lancet”(Espresso,25.02.12) vem dizer que nem sempre é assim e que até podem diminuir as doenças e aumentar a longevidade. Durante a II Grande Guerra na França diminuiu o alcoolismo e as cirroses alcoólicas (que são mais de 80% delas); caíram para quase zero. Estes efeitos paradoxais parecem devidos a vários factores, um deles será o potencial pessoal de iniciativa activado.

Isto vem a propósito de S. João de Deus (festa a 08.03.2012). Em Granada por 1538 a crise era colossal e pelas ruas morriam pobres e doentes de frio e de doenças, espanhóis e mouriscos. O Santo não se limitou a dizer coitadinhos destes miseráveis. Começou a empreender o que podia. Um barracão arrendado, esteiras no chão, uma luz e convite para aqueles pobres da rua passarem ali a noite e sobreviver. Alguns não podiam andar e ele carregava-os às costas. No dia seguinte ia pô-los na mesma esquina para continuarem a mendigar e poderem sobreviver com as esmolas. Não eram os coitadinhos. Podiam mendigar e fazer face à sua subsistência, que o fizessem com dignidade. Nesse tempo mendigar era um recurso de peso. Mais tarde João de Deus já tinha um hospital com médico, enfermeiro e boticário para tratar os doentes. Ia pelas ruas pedir para eles gritando:”quem quer fazer bem a si mesmo”! Mas continuou a receber bebés expostos, órfãos, doentes, ocupava-se de pobres envergonhadas, meninas desamparadas e mulheres da prostituição mas não era para fazer “tudo” pelos coitadinhos, era para empreender com eles e outros. Pedia aos seus benfeitores para os ajudarem mas não dispensava o que cada um podia fazer por si para sair da crise. Entregava os bebés a amas e ajudava-as na criação deles, colocava meninas órfãs em famílias de acolhimento, colocava as mulheres da prostituição em casas de família que as recebiam, e em acolhimentos. Mas não as dispensava do que podiam fazer para sair da crise. Pedia lã, linho, tecidos, etc. que lhes ia levar e que aprendessem a fiar, a tecer e preparem as suas roupas, fazer o enxoval em ordem ao casamento e maior independência. A palavra de ordem era: trabalhem em tudo o que puderem e ajudem quem vos recebe em sua casa; preparem-se para fazer face às vossas necessidades, a ter vida independente e a casar, se isso for da vossa vontade e encontrarem marido. Eu ajudarei. E João foi à Corte a Valhadolide para conseguir meios para ajudar a pagar o dote de 16 dessas mulheres e as levar ao altar.
Perante a crise actual e todas as outras a que todos estamos sujeitos, alguns profissionais, talvez demasiados, ajudam os necessitados mas de tal modo que os tornam passivos e dependentes em vez de empreendedores. Penso que o modelo de S. João de Deus precisa de ser actualizado hoje. Os profissionais de ajuda não precisam apenas de ajudar mas de tornar empreendedores aqueles que ajudam. O princípio de não fazer aos outros o que eles podem fazer continua válido. Penso ainda que os lóbis e corporações de alguns sindicatos e de alguns profissionais de ajuda têm concorrido mais para criar cidadãos passivos e dependentes, para não dizer infantis, que empreendedores e independentes. Há mesmo familiares que treinam os seus para se declararem mais doentes e incapacitados que são na realidade. E porquê tirar dos empregos os idosos que ainda podem trabalhar em trabalho útil e pô-los a fazer coisas inúteis em lares? E porque impedir que os adolescentes a partir de 10 anos se ocupem em trabalhos úteis e só possam fazer coisas que não servem para nada e só dão despesa? Bem sei que nem todos concordam comigo; mas trabalhar em pequeno com o meu pai até me ajudou no treino de várias habilidades e a ficar com experiências do custo das coisas. João aí está como inspiração para nos levar a uma caridade compassiva e empreendedora.

Funchal, Novena de S. João de Deus de 2012
Aires Gameiro


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